17 de agosto de 2010 | 00h00
De saída. Soldados americanos descansam após operação em Kunduz: disputa entre agenda política e prioridades militares
A estratégia para a guerra no Afeganistão acendeu no fim de semana uma inesperada divergência no alto comando dos Estados Unidos sobre o plano de retirada das tropas - planejada e anunciada pelo presidente Barack Obama - até julho de 2011. O comandante de campo das forças americanas, general David Petraeus, vem afirmando desde sexta-feira que esse prazo não poderá ser cumprido.
As declarações de Petraeus, reiteradas nos programas de entrevistas políticas do domingo, porém, foram rebatidas ontem pelo secretário da Defesa, Robert Gates - que desautorizou o general ao afirmar que a alteração do cronograma para o retorno das forças americanas está fora de questão.
Assessores da Casa Branca deram início ontem a uma operação de emergência para abafar o atrito interno e sufocar a ligeira rebeldia de Petraeus, que assumiu o posto há apenas seis semanas. O novo comandante ocupou o cargo deixado pelo general Stanley McChrystal, demitido por insubordinação após fazer declarações nas quais ironizava e questionava as decisões de Washington sobre o Afeganistão. Indagado sobre a posição de Petraeus, o vice-secretário de imprensa da Casa Branca, Bill Burton, afirmou que "a data da retirada não é negociável". "Como vocês viram no caso do Iraque, quando o presidente assume um compromisso, ele o mantém. A data é a data", declarou Burton.
A política interna explica a resistência da Casa Branca em manter por mais tempo seus mais de 90 mil soldados em território afegão. Obama enfrentará um duro teste em 2 de novembro, nas eleições legislativas que ameaçam pôr fim à maioria de seu Partido Democrata na Câmara e no Senado (mais informações nesta página). Impopular, a guerra no Afeganistão iniciada logo depois dos ataques de 11 de Setembro já causou mais de 2 mil mortes de soldados estrangeiros da aliança militar liderada pelos EUA, avançou pouco para estabilizar a política afegã e fracassou na missão de levar à Justiça o líder da rede terrorista Al-Qaeda, Osama bin Laden.
Na mesma entrevista ao jornal Los Angeles Times na qual contestou Petraeus, Gates também tornou pública sua decisão de deixar o governo de Obama em 2011, quando justamente será levada a cabo a decisão de retirada do Afeganistão. Remanescente do governo do republicano George W. Bush, o secretário de Defesa está no posto desde 2006.
"O presidente não me enviou para cá para comandar uma retirada graciosa", afirmou Petraeus. "O presidente e eu nos sentamos no Salão Oval, e ele expressou claramente que queria de mim o meu melhor conselho profissional."
A insatisfação de Petraeus com o prazo que ele mesmo contribuiu para ser fixado em dezembro do ano passado deixa claro que o novo comandante encontrou no país um terreno bem mais complicado que o imaginado em Washington. De forma grosseira, McChrystal havia também manifestado sua oposição a regras impostas longe do campo de batalha. Nos últimos meses, os rebeldes do Taleban não deram tréguas na região sul, na fronteira com o Paquistão, e retomaram posições importantes no norte do país.
PERFIL
David Petraeus, General flerta com a política
Comandante das tropas dos EUA e da Otan no Afeganistão
No comando da guerra no Afeganistão desde 4 de julho, o general David Petraeus tem prazo de apenas 11 meses para acabar com o Taleban, preparar as forças afegãs e organizar a retirada americana. O desafio é enorme para o general que se envolveu em um primeiro combate, de verdade, no Iraque em 2003, 29 anos depois de sua graduação. Nos meios políticos, tem sido comentada sua ambição de concorrer à presidência, estimulada pela experiência do general Dwight Eisenhower, o comandante supremo das forças aliadas da 2.ª Guerra que presidiu os EUA de 1953 a 1961.
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