'Derrota de Netanyahu favorece reconciliação entre judeus e árabes em Israel'; leia entrevista

Para professor da Universidade de Tel-Aviv e da Cornell (EUA), primeiro-ministro pode tentar fazer o que for preciso para se manter no poder nos próximos dias

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Por Renata Tranches 
Atualização:

Mesmo fora do governo de Israel, os anos de Binyamin Netanyahu no poder deixaram uma marca profunda na política e na psique da sociedade israelense, segundo o professor de política da Universidade de Tel-Aviv e da Cornell (EUA) Uriel Abulof. Em entrevista ao Estadão, o professor afirma que esses anos foram marcados pelo medo e pelo ódio. Mas ele ressalta que até a nova coalizão tomar posse, muita coisa ainda pode acontecer. 

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Como será o cenário político sem Netanyahu? 

Primeiro de tudo, temos de esperar até que esse governo seja oficializado. Agora, o Lapid informou ao presidente que ele foi capaz de formar governo. Mas até esse novo governo tomar posse, em uma semana, quem sabe até mais, Netanyahu ainda é o primeiro-ministro. É muito difícil dizer o que vai acontecer depois, mas acho que a maior questão aqui não é se Netanyahu está ou não no poder, mas qual extensão de sua cultura política e se ela ainda continuará presente no Parlamento, no governo, na sociedade. A maior parte do que Netanyahu levou para a política de Israel é baseada no medo e na raiva. Se o novo governo vai ser capaz de mudar esse clima depende deles e da sociedade israelense, tanto judeus quanto árabes. Ele tem sido o primeiro-ministro a permanecer mais tempo no poder na história do país, mais do que o primeiro primeiro-ministro Ben-Gurion. Definitivamente, ele deixa uma marca profunda, não apenas na politica, mas também na psique do público israelense. 

O cenário então ainda pode mudar?  É uma possibilidade, porque até o novo governo tomar posse, não se pode anunciar um novo governo em Israel. Houve uma ocasião, acho que em 1990, que Shimon Peres disse ao então presidente que ele tinha sido capaz de formar uma coalizão de governo, foi à Knesset, a coalizão tentou tomar posse como novo governo, mas não houve maioria. Quer dizer, ainda há tempo para Netanyahu possivelmente cortejar membros e achar algum meio de fazer dois ou três, de alguma maneira, desistir do acordo. Uma semana ou mais é uma eternidade em termos do que você pode fazer em política. Acredito que haverá uma escalada de tensão. Não termina enquanto não acabar, eu sei que é um clichê, mas é o que define. 

Binyamin Netanyahu conversa ao telefone durante sessão na Knesset; futuro em jogo Foto: Ronen Zvulun/AFP

O que Netanyahu então pode fazer nos próximos dias? 

Ele fará o que for preciso e quase a qualquer preço para continuar no poder, porque, como eu disse, não está acabado até o novo governo tomar posse e ele ainda é o primeiro-ministro. Com esperança, se ele tentar alguma coisa muito perigosa, o comando da segurança em Israel será capaz de impedi-lo. Mas precisamos esperar para ver porque muitas coisas podem acontecer e sair do controle como vimos há algumas semanas. 

Como será uma oposição com Netanyahu? 

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Uma vez fora do cargo, podemos imaginar que ele vai tentar consolidar sua liderança no Likud na oposição. Quanto mais rápido o novo governo for capaz de se concretizar, mais difícil vai ficar para o Likud. As pessoas estarão dizendo, dando um recado, de que já é hora de Netanyahu ir embora. Não há muitas pessoas corajosas nesse partido, pode até parecer que há, mas uma vez que começar esse processo, acredito que vamos ver um efeito potencial de bola de neve. 

O que vai acontecer com ele com relação aos processos que responde por corrupção? 

Isso é uma questão para os tribunais. Se decidirem, ele vai para a prisão. A não ser que ele fuja do país ou se esconda. Mas enquanto o processo correr, existe um perspectiva real de que ele vá para a prisão. 

Mas pode haver alguma articulação para protegê-lo? 

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Não se ele estiver na oposição, se a coalizão conseguir a maioria. A última coisa que eles querem é o Netanyahu de volta. Eu imagino que será uma causa perdida para ele. A nova coalizão está longe de ser homogênea, vai da extrema direita, passando pelo centro, pela esquerda, até mesma pela esquerda radical. Foi preciso que todas as forças políticas se unissem para potencialmente tirar Netanyahu do cargo. Agora eles precisam ficar unidos. Como venho falando há meses, para poder realmente deixar ele fora, eles precisam ficar unidos. Se Netanyahu vir alguma fissura nessa coalizão ele vai tentar explorar para evitar as consequências do julgamento. 

O sr. acha que eles conseguirão se manter unidos? 

Eles têm o necessário, claro que têm alguns desafios, potencialmente grandes dilemas, mas serão capazes de se manter pelo menos por um ano. Normalmente, se há uma coalizão, o país tem eleições a cada quatro anos, mas é bem provável que essa coalizão, que tem tantas divisões, pessoais e ideológicas, não dure até lá. A única coisa que os une é Netanyahu. Enquanto ele for visto, na oposição, como uma ameaça real, acho que eles tentarão seu melhor para se manter unidos. Mas uma vez que Netanyahu não for mais uma ameaça, caso ele seja preso, essas fissuras poderão se tornar grandes rachaduras. Mas eles também têm muita coisa a perder se forem mais uma vez para eleições. 

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Então ele continuará exercendo certo poder? 

É interessante saber qual a extensão da sua força, como esses anos de ódio, cinismo que Netanyahu levou para o poder vão impactar. Algumas pessoas acreditam que levará anos para consertar o que Netanyahu quebrou. Eu também acredito que há uma possibilidade, com ele fora do cargo, de haver um governo menos cínico. Talvez vejamos mudanças em breve. Israel tem muitos problemas hoje em dia, de segurança, econômicos, em termos de sociedade, infraestrutura, muitos desafios, e as pessoas estão esperando para ver as coisas melhorarem. Para ter sucesso, Netanyahu deixou uma herança muito problemática. 

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Essa novo cenário poderá impactar no conflito entre israelenses e palestinos? 

Não, pelo menos não com a Autoridade Palestina. Espero que por essa coalizão também ser formada por um partido árabe, as relações entre judeus e árabes vão melhorar e talvez isso, de alguma forma, se projete no grande conflito entre israelenses e palestinos. Ideologicamente, há uma grande distância entre a posição do partido de extrema direita, de esquerda, e de centro. Por exemplo, na questão da solução de dois Estados, não vejo como a coalizão, nesse momento, possa chegar a um acordo. Mas potencialmente beneficiará uma reconciliação entre judeus e árabes. 

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