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População jovem e isolamento retardam covid na África, mas contágio aumenta

Governos africanos agiram rápido após OMS declarar a pandemia, mas questão econômica forçou a retomada e o avanço do vírus, como ocorre na África do Sul, deve se repetir pelo continente; alta nas notificações preocupa países com sistemas de saúde mais vulneráveis

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Por Fernanda Simas
Atualização:

Governos acostumados a lidar com epidemias, população com idade média de 19,4 anos e um continente com pouco intercâmbio internacional. Por esse contexto, a África foi até agora o segundo continente menos afetado pela pandemia – só a Oceania foi menos atingida. Mas o crescimento rápido de casos na África do Sul, registrado na última semana, deve se repetir em os outros países da região, colocando em alerta trabalhadores de ajuda humanitária.

Após três meses de confinamento, África do Sul liberou funcionamento de alguns serviços do setor de varejo Foto: Siphiwe Sibeko/Reuters

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“Os países tiveram regras de lockdown muito rápidas, o que foi bom para atrasar a disseminação da doença. Mas o problema maior é que, como as economias não são desenvolvidas e há muita informalidade no continente, os governos tiveram de abrir antes da curva de estabilização. As pessoas foram para a rua e isso agora está criando uma onda de verdade de covid-19. A África do Sul é um resumo da África inteira”, afirma o historiador e professor da ESPM de Porto Alegre Gabriel Adam.

A África tem 787 mil casos confirmados de covid-19 e 16,7 mil mortes. Apenas a África do Sul é responsável por mais da metade dos casos (408 mil) e mais de um terço das mortes (6 mil). O baixo número de óbitos é um alento para o restante da região. Segundo epidemiologistas, isto ocorre em razão da população jovem do continente. Na África, a idade média é de 19,4 anos, enquanto na Europa é de 43, nos EUA, de 38, e no Brasil, de 32. 

“A idade tem um papel importante na letalidade da doença. A vantagem de a África ter uma população mais jovem é ter menos casos de alta gravidade ou óbitos”, explica Eliseu Waldman, professor de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP. A taxa de letalidade, de acordo com a Fundação Surgo, deve ficar, em média, em 0,55% no continente, chegando a 0,76% nos países menos estruturados. Nos EUA, a taxa está em 1,3%. 

A África do Sul entrou em lockdown em março e, desde o começo de junho, está liberando alguns serviços do setor de varejo, mas as viagens de lazer e o turismo internacional continuam proibidos. “O país é mais conectado com o restante do mundo e, por isso, ocorre o aumento antes dos outros. Temos aqui áreas muito povoadas, shoppings e mercados em locais fechados. Assim que começou a transmissão comunitária, ela se espalhou muito rápido. Temos uma situação muito parecida com o Ocidente”, diz Mamadou Sow, chefe do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) no país. 

Risco

Os trabalhadores humanitários em diferentes países da região alertam que, se a situação da África do Sul se espalhar pelo restante do continente, as consequências podem ser graves. Segundo eles, o sistema de saúde nos outros países, principalmente os que sofrem com guerras civis e conflitos armados, não tem a mesma estrutura que o sul-africano. 

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“O maior risco é as pessoas pensarem que estamos em uma situação confortável e deixarem de tomar as precauções necessárias. A guerra não parou por conta do coronavírus, pelo contrário. Em alguns países, não existe a opção de lavar as mãos o tempo todo, por exemplo. É preciso olhar para a África do Sul e ver que a situação é ruim e pode piorar em até três meses. Enquanto não houver uma vacina, há risco”, afirma Crystal Ashley Wells, porta-voz do CICV para a África. 

Segundo a organização, no Sudão do Sul, há um médico para cada 65 mil habitantes. “Quem está na capital consegue atendimento, mas quem está em cidades afastadas precisa caminhar por dias até achar ajuda médica”, explica Crystal. Na Somália, apenas 15% da população que vive em áreas rurais tem acesso à saúde. No nordeste da Nigéria, apenas metade das cerca de 700 instalações sanitárias está em condições de uso. Em Burkina Fasso, 109 centros de saúde estavam fechados em fevereiro e 140 estão operando com o mínimo de funções necessárias.

Os países africanos que vivem conflitos armados registram um alto número de deslocados, o que, ao lado da precariedade do sistema sanitário, pode acelerar a disseminação da covid-19. “Em Cabo Delgado (Moçambique), a violência aumentou e as pessoas que fogem vão para centros urbanos, mas por vezes não conseguem ajuda e decidem voltar. É complicado controlar o contato físico em uma situação assim”, explica Sow. 

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Alyona Synenko, porta-voz do CICV na Nigéria, diz que a maior preocupação no nordeste do país, onde mais de 2 milhões de pessoas deixaram suas casas, é com a situação em campos de refugiados. “Os campos estão lotados, muitas vezes não há acesso a água e os serviços sanitários são escassos, uma condição muito favorável para a propagação do vírus.”

Adam ressalta que a situação também é ruim na África Ocidental. “É uma região mais acostumada a lidar com epidemias, pois foi onde surgiu o ebola. A falta de estrutura não será totalmente compensada, mas facilitada, em parte, pela experiência da população e pela mobilização da sociedade civil, que realiza trabalhos voluntários em comunidades rurais, por exemplo.”

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