Por que a decisão de retirar os subsídios dos combustíveis levou o Equador à convulsão  

Os subsídios aos combustíveis custam ao governo do Equador US$ 1,3 bilhão anualmente

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Por Jordan Kyle
Atualização:

QUITO - A onda de protestos no Equador que fez manifestantes fecharem e incendiarem as ruas e invadirem o prédio da Assembleia Nacional começou no dia 1º de outubro, quando o presidente Lenín Moreno anunciou o fim dos subsídios do governo aos preços dos combustíveis. Como resultado, 7 pessoas foram mortas e 1.152, presas. No domingo, Moreno e líderes de protestos fecharam um acordo para encerrar as manifestações - e novamente reduzir os preços dos combustíveis.

A decisão de revogar os subsídios aos combustíveis foi motivada por metas estabelecidas no acordo com o Fundo Monetário Internacional de empréstimo de US$ 4,2 bilhões ao Equador, que exige, entre outros, que o país enfrente seu déficit fiscal. 

Polícia e manifestantes se enfrentam em Quito; protestos miram revogação de decreto que retirou subsídios a combustíveis Foto: Paolo Aguilar/EFE

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Os subsídios aos combustíveis custam ao governo US$ 1,3 bilhão anualmente. Embora o FMI tenha proposto uma "otimização cuidadosa e gradual dos subsídios aos combustíveis" até quinta-feira, o preço da gasolina aumentou cerca de 25% e o preço do diesel dobrou. 

Os protestos, que no início foram liderados pelos trabalhadores do transporte, passaram ao comando da poderosa federação indígena do Equador, Conaie, levando milhares de cidadãos indígenas da Bacia Amazônica do Equador a Quito para a greve nacional.

Como reformar subsídios sem desencadear crises

Os atos levantaram um dilema comum para os líderes políticos: como os governos podem reformar os subsídios de combustível - que são fiscal e ambientalmente desastrosos - sem desencadear protestos generalizados? 

Os protestos dos Coletes Amarelos do ano passado na França começaram em resposta ao aumento dos preços dos combustíveis. Em 1998, os aumentos nos preços desencadearam protestos que acabaram por depor o líder indonésio Suharto; em 2007, desencadeou a Revolução do Açafrão em Mianmar e, cinco anos mais tarde, deu início ao movimento Occupy, na Nigéria.

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Em uma pesquisa publicada recentemente, estudei por que os cidadãos mais pobres rejeitam a reforma dos subsídios aos combustíveis - mesmo que os governos prometam transferir fundos para programas que possam realmente beneficiar os pobres, como transferências de renda e melhor infraestrutura. Moreno, por exemplo, prometeu expandir os subsídios de bem-estar para os pobres. 

Minha pesquisa sugere que os cidadãos rejeitam a reforma dos subsídios ao combustível quando não confiam que nos governos para cumprir essas promessas. Embora eu tenha realizado essa pesquisa na Indonésia, há lições importantes para o Equador.

Os subsídios aos combustíveis para os consumidores geralmente começam a ser aplicads por acidente. Muitos subsídios, incluindo os do Equador e da Indonésia, começaram nas décadas de 60 e 70, quando os governos lançaram programas para estabilizar os preços de bens básicos. 

À medida que os preços dos combustíveis aumentam, no entanto, os programas de estabilização de preços podem aumentar em subsídios em larga escala. Isso acontece se os governos inicialmente definirem um preço fixo - quando o consumidor paga o mesmo preço e o subsídio muda com as oscilações de mercado - em vez de um subsídio fixo - quando o consumidor paga preços diferentes com flutuações de mercado, mas o subsídio permanece o mesmo.

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Os cidadãos sabem que preços fixos significam que sempre que os preços da gasolina mudarem, o governo faz uma escolha deliberada de política. Isso torna os programas de preço fixo particularmente difíceis de se encerrar - o que impede o progresso global na redução de emissões de carbono. 

Os cidadãos dos países que extraem e vendem petróleo ou gás passaram a ver os baixos preços como uma das poucas ou únicas maneiras pelas quais realmente se beneficiam da extração de recursos. Os grupos indígenas do Equador há muito reclamam da perfuração de petróleo na bacia amazônica por destruir seu meio ambiente. Perder o único benefício visível disso é mais profundo do que outras medidas de austeridade.

Minha pesquisa avaliou quando os cidadãos da Indonésia estavam dispostos a apoiar a reforma dos subsídios aos combustíveis. Quando fiz minha pesquisa, em 2013, a Indonésia estava no meio de um processo plurianual de aumentar o preço do combustível aos trancos e barrancos, enquanto oferecia aos cidadãos mais pobres programas sociais mais direcionados, como transferências de renda e isenções de taxas de saúde para famílias mais pobres. Minha teoria era de que os cidadãos têm menos probabilidade de confiar em novos programas se os funcionários do governo local forem corruptos.

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Para testar isso, examinei primeiro os dados administrativos indonésios sobre o total de benefícios que chegam mensalmente a determinadas comunidades. Em seguida, comparei esses registros com dados de pesquisas domiciliares de mais de 10 mil entrevistados em 572 comunidades que os economistas Abhijit Banerjee, Rema Hanna, Benjamin Olken, Sudarno Sumarto e eu coletamos como parte de um experimento em larga escala para melhorar o acesso das famílias pobres a programas sociais. Essas pesquisas perguntaram quais os benefícios que a família realmente recebeu.

A diferença entre quanto deveria chegar e quanto realmente chegou me deu uma estimativa de quanto do total dos benefícios alocados para uma comunidade "desaparecem" a cada mês. Isso provou ser uma maneira precisa para estimar se os cidadãos mais pobres realmente se beneficiaram da mudança dos subsídios em massa para as transferências de renda do governo. 

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Uma pesquisa posterior que realizamos nas mesmas comunidades perguntou se os cidadãos receberam as transferências em dinheiro relacionadas ao aumento de 2013 nos preços dos combustíveis. Os cidadãos das comunidades "corruptas" - aqueles com uma diferença maior entre os benefícios registrados e os recebidos - relataram que eram menos propensos a receber a transferência de dinheiro e mais provável que tenha de "doar" uma parte para funcionários do governo.

Locais menos corruptos apoiam subsídios

Na primeira pesquisa, pedimos aos indonésios que imaginassem que estavam elaborando o orçamento nacional e pudessem ampliar três programas governamentais e reduzir outros três. Eles demonstraram ser muito mais propensos a apoiar a redução dos subsídios aos preços dos combustíveis em áreas com menos corrupção - independentemente de suas circunstâncias econômicas ou quanto eles se beneficiaram do subsídio. Nas comunidades onde os níveis de corrupção eram próximos de zero, os cidadãos mais pobres tinham de 2,5 vezes mais chances de apoiar do que se opor à reforma.

Resolver a crise fiscal do Equador e manter o apoio do FMI são prioridades fundamentais para Moreno. Sua abordagem faz sentido: quem poderia se opor a trocar subsídios regressivos, caros e ambientalmente insustentáveis ​​aos combustíveis, por pagamentos de bem-estar ampliados para famílias mais pobres? Mas se os cidadãos não confiam no governo de Moreno, provavelmente não sairão das ruas.

Os governos que procuram substituir os subsídios aos combustíveis podem querer se concentrar em fornecer o que seus cidadãos acham mais plausível. Isso pode parecer a abordagem bem-sucedida da Indonésia: promulgar reformas aos poucos e não de uma só vez e mostrar que cada corte nos subsídios aos combustíveis será realmente substituído pelos gastos com os pobres. Em resumo, os cidadãos estão mais dispostos a reduzir os subsídios aos combustíveis em áreas nas quais o governo conquistou sua confiança.

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*É pesquisador senior do Tony Blair Institute for Global Change e tem PhD em ciências políticas pela Columbia University 

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