MOSCOU - Na Rússia, e entre apoiadores russos na Ucrânia, a letra "Z" se tornou um símbolo da guerra pró-Moscou. A letra não existe no alfabeto cirílico, por isso sua aparição em veículos militares chamou atenção. Agora, é comum ver o símbolo entre civis apoiadores. No episódio mais recente, o ginasta russo Ivan Kuliak virou alvo de um processo disciplinar pela Federação Internacional de Ginástica por exibir a letra no pódio ao lado de um rival ucraniano no Catar. O significado, porém, não é um consenso.
O “Z” chamou a atenção pela primeira vez há várias semanas, quando foi pintado nas laterais dos milhares de tanques, veículos blindados e outros veículos militares reunidos ao longo da fronteira russa com a Ucrânia. Na Rússia, a letra começou a aparecer em todo o lugar. Há adesivos "Z" nas costas de carros e veículos comerciais, e um comentarista de talk show apareceu recentemente vestindo uma camiseta com um grande "Z" branco.
Alguns logotipos corporativos e nomes de jornais que continham um "Z" manipularam a letra para destacá-la. Uma campanha publicitária usando outdoors nas grandes cidades russas apresentava um grande Z criado a partir de uma fita preta e laranja, a fita de São Jorge, que é um símbolo dos militares russos.
Não é incomum que veículos dedicados a uma campanha militar exibam uma marca facilmente identificável - veículos do Exército dos EUA usados para repelir a invasão iraquiana do Kuwait foram pintados com um grande chevron branco, por exemplo. Ver isso se espalhar entre os civis é outra questão.
Propaganda de governo?
A onipresença do símbolo levou muitos a concluir que era um esforço orquestrado pelo Kremlin para angariar apoio para a guerra, até porque se assemelhava a muitos esforços anteriores. Veio com uma hashtag com ecos de guerras passadas: “Não abandonamos os nossos".
“Este é definitivamente um meme induzido pelo Estado”, disse Vasily Gatov, analista de mídia russo-americano baseado em Boston. “Sempre há pessoas receptivas a esse tipo de mensagem.” Ele observou que havia um pequeno exército de propagandistas pagos para espalhar o meme nas mídias sociais para dar a falsa aparência de popularidade.
O fato de que alguns dos suspeitos de sempre se alinharam aumentou o senso de coordenação do governo. Maria Butina foi deportada dos Estados Unidos em 2019 depois de ser presa por trabalhar como agente não registrada para a Rússia. Agora membro da Duma, o Parlamento russo, ela postou um vídeo de si mesma desenhando um "Z" branco em seu paletó.
“Façam seu trabalho, irmãos”, disse ela em uma aparente referência às tropas russas na Ucrânia. “Nós sempre o apoiaremos.”
A rede de televisão estatal RT também divulgou o símbolo.
Outro vídeo online mostrou o que parecia ser um flash mob de jovens em uma fábrica, vestindo camisetas pretas com um Z e dançando em formação em meio a um mar de bandeiras russas. Vídeos semelhantes surgiram durante campanhas anteriores do Kremlin, com a única diferença sendo a adição das camisetas.
Os críticos nas mídias sociais não perderam a oportunidade de apontar que Hitler mobilizou milhares de apoiadores de camisas pretas também, e alguns manipularam a letra Z para torná-la parecida com a suástica nazista.
O símbolo também foi implantado como uma ameaça: Anton Dolin, um crítico de cinema proeminente que deixou a Rússia por sua oposição à guerra, postou uma foto no Facebook de um "Z" branco gigante que alguém havia pintado com spray na porta de seu apartamento, que ele chamou um esforço de intimidação.
Segundo explicou Emily Ferris, pesquisadora da Rússia e Eurásia da RUSI, ao canal britânico BBC, o "Z" é um símbolo poderoso e facilmente reconhecível. "Muitas vezes, com propaganda, as coisas mais simples pegam mais rápido", diz ela. "Parece bastante intimidador e rígido. De uma perspectiva estética, é um símbolo muito poderoso". Menos de quinze dias depois da invasão, o símbolo já estava disseminado entre apoiadores do presidente Vladimir Putin.
A exibição da letra pelo ginasta russo no Catar indica que o símbolo está ganhando terreno fora da Rússia. Na sexta-feira, milhares de sérvios utilizaram a letra Z em uma marcha por Belgrado até a embaixada russa em uma demonstração de apoio público a Moscou.
Identificação das tropas?
Estranhamente para um símbolo nacionalista, o Z usado é a versão do alfabeto latino. A versão russa, do alfabeto cirílico, é mais arredondada, como um 3.
Após semanas de especulação sobre o que significava, o Ministério da Defesa da Rússia disse no domingo que veio da preposição “Za”, a primeira palavra da frase russa “Za pobedu”, ou “Pela vitória”.
Essa explicação parece ter provocado uma forte discussão na segunda-feira no Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde o embaixador ucraniano, Sergi Kislitsia, disse que o “Z” na verdade significava “zveri”, que significa bestas ou animais em russo. Seu colega russo, Vasily Nebenzya, respondeu que os russos tinham sua própria opinião sobre quem eram os animais.
Mas a principal teoria até agora é de que o símbolo serve para identificação das tropas amigas e, assim, evitar fogo entre suas próprias forças.
A letra Z não é a única, também há O, X, A e V. Geralmente elas estão emolduradas por quadrados, triângulos e outras formas pintadas. Segundo o jornal britânico The Guardian, elas também podem ter sido escritas de acordo com as respectivas áreas onde as tropas russas geralmente estão estacionadas, com Z potencialmente representando Zapad (oeste).
De acordo com a BBC, na semana passada, os telespectadores de um programa de notícias no Channel One da Rússia, controlado pelo Estado, foram informados de que um "Z" era uma marcação comum em equipamentos militares russos. O site cristão ortodoxo pró-Putin Tsargrad disse aos leitores que a simples marcação poderia "evitar fogo amigo" e não poderia ser "misturada com qualquer outra coisa".
Alguns especialistas militares russos pró-Kremlin especularam, inclusive, que a letra Z representa o nome do presidente ucraniano Volodmir Zelenski e a letra V de Vladimir Putin./NYT