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Por que Brasil, México, Rússia e Coreia do Norte ainda não reconheceram Joe Biden

Especialistas veem o silêncio como um sinal da fraqueza da política externa brasileira no período do atual governo; outros líderes veem a troca presidencial como um risco na relação entre os países

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Por Levy Teles
Atualização:

Quase uma semana após o anúncio da vitória de Joe Biden na eleição presidencial dos Estados Unidos, ao menos quatro países de destaque no cenário internacional seguem sem parabenizá-lo: Brasil, Coreia do Norte, México e Rússia fazem parte da lista após a China, na manhã da sexta-feira, 13, enviar felicitações ao democrata. 

Pequim alegava que preferia aguardar os resultados definitivos da eleição. Poucas horas após a oficialização do triunfo do ex-vice-presidente no Arizona, o porta-voz da diplomacia chinesa, Wang Wenbin veio a público saudá-lo. Os outros países, por outro lado, ainda aguardam um resultado oficial do processo para se manifestar. Confira abaixo as motivações de cada país. 

Vladimir Putin e Jair Bolsonaro se cumprimentam durante reunião do BRICS em Osaka, Japão Foto: Reuters

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Brasil 

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro apareceu numa live surpresa após o anúncio do resultado da eleição americana, mas não falou nada sobre o tema. O Itamaraty permaneceu em silêncio nos dias seguintes à votação. Depois, Bolsonaro passou a dar pequenos sinais sobre seu posicionamento. Na terça, provocou Biden, sem citá-lo, ao lembrar que a campanha do candidato ameaçou impor barreiras comerciais ao Brasil, caso os incêndios na Amazônia não fossem controlados.

"Quando acaba a saliva tem que ter pólvora. Não precisa nem usar a pólvora, mas tem que saber que tem", afirmou o presidente. "Assistimos há pouco um grande candidato à chefia de Estado dizendo que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele vai levantar barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas pela diplomacia não dá."

Jair Bolsonaro durante pronunciamento no Palácio da Alvorada. Foto: GABRIELA BILO/ ESTADAO

Na quinta, ao ouvir de uma apoiadora na entrada o Palácio da Alvorada que iria para Miami, perguntou: “Está acompanhando as eleições lá?”. Após receber a resposta frustrada em seguida, concluiu. “Mas já acabou, já acabaram as eleições?”

Especialistas no tema veem um sinal da fraqueza da política externa brasileira no período do atual governo. "Bolsonaro está mais aliado com o trumpismo do que com os EUA", diz o professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB, Roberto Goulart Menezes. “Neste momento, temos um governo que, ao invés de fazer uma política conservadora, não pôs nada no lugar. Apenas uma imitação dos EUA”. 

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Para ele, o Brasil trocou a agenda diplomática e do multilateralismo para dedicar-se a uma política externa exclusivamente econômica com os Estados Unidos. "A saída para o governo é retomar alguma racionalidade. Bolsonaro só tem dois anos de mandato e, em 2021, Biden nem vai ter tempo para falar com o Brasil." 

Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV-SP, avalia que admitir a derrota do republicano significa uma perda política para Bolsonaro com Trump e com o próprio eleitorado. “Dentro dos grupos de Whatsapp da direita brasileira, a maioria acha que a eleição foi roubada. Reconhecer a vitória de Biden agora pode prejudicar a relação entre outros grupos e isso tem um custo.”

A oposição entre o novo governo americano e o Brasil, salienta Stuenkel, pode ser ofuscada pelo momento atual, em que os Estados Unidos não são a única grande potência mundial, e precisam lidar com outros gigantes diplomáticos.

"O fato de Bolsonaro não ter reconhecido a vitória de Trump pouco chama a atenção da imprensa americana. A tensão com a China e Rússia vai ser tão intensa que, com um pouco de sorte, o Brasil simplesmente não vai aparecer muito no radar público americano."

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Rússia

Um dia após a eleição de Biden, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, publicou uma saudação. Uma mensagem para organizadores e convidados do 18º Festival Internacional Yury Ozerov de Filmes Militares. Na segunda, quem veio a público falar sobre o resultado americano foi o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov."Pensamos que é mais apropriado esperar pela contagem de votos oficial", disse, em uma conferência. 

Quando questionado sobre o processo eleitoral de 2016, em que a Rússia reconheceu o resultado um dia após o anúncio do vencedor, Peskov afirmou haver uma diferença. "As situações são diferentes e cremos que seja apropriado esperar por um anúncio oficial."

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O presidente russo Vladimir Putin em conferência em Moscou Foto: REUTERS/Maxim Shemetov/File Photo

A diplomacia entre Moscou e Washington passou por momentos drásticos após a eleição de Trump com a alegação de intervenção russa no processo eleitoral americano. Em fevereiro deste ano, autoridades do serviço de inteligência dos EUA acusaram a Rússia de novamente tentar influenciar o resultado da atual eleição presidencial, segundo o jornal americano New York Times. 

Em outubro, outra reportagem do mesmo jornal afirmou que um relatório da CIA concluiu que a Rússia estava interferindo nas eleições americanas de 2020. Para Stuenkel, a relação com a Rússia se encontra na pior crise desde o fim da Guerra Fria e pode piorar ainda mais com a eleição de Biden.

"Havia uma relação um pouco estranha de Putin com Trump, com ocasionais trocas de afagos entre os presidentes”, diz o professor. “Biden vai investir na OTAN, ele chamou o Putin de bandido da KGB.” 

México

No México, o presidente Andrés Manuel López Obrador comentou a eleição americana no sábado. Afirmou que prefere “esperar até que todos os assuntos legais tenham sido resolvidos” - uma referência à postura de Trump, que reluta em aceitar o resultado e tenta judicializar o processo.

“Não estou dizendo que houve fraude”, disse o presidente mexicano na segunda-feira, após a surpresa pública pela postura tomada no sábado. “Quem tem que dizer isso são as autoridades do país.” O próprio candidato já acusou o processo eleitoral mexicano de fraude. Em 2012, afirmou que a vitória de Enrique Peña Nieto “não foi legítima”.

Os presidentes Donald Trump e Andrés Manuel López Obrador na Casa Branca Foto: Mexico's Presidency/Reuters

A relação de López Obrador e Trump teve oscilações. Durante a campanha, o mexicano comparou o presidente americano a Hitler e disse que o colocaria em seu devido lugar. Mas desde que assumiu o governo, evitou conflitos. 

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“A cautela de López Obrador é deixar que Trump vá embora”, analisa Roberto Goulart Menezes, da UnB. Para ele, a postura do mexicano é uma questão de formalidade e receio do que o atual governo americano, que construiu uma retórica contra o México durante a campanha, pudesse retaliar.

“Os Estados Unidos são o maiores parceiros econômicos do México. O governo Trump não teve nenhuma agenda positiva com o país. É uma postura de cautela, diferente da Coreia do Norte”, conclui.

Coreia do Norte 

O país asiático permaneceu calado sobre o resultado americano. Mas a imprensa estatal norte-coreana já se pronunciou contra Biden anteriormente. Em maio 2019, a KCNA chamou o democrata de “louco com baixo QI”, após o ex-vice-presidente atacar o líder Kim Jong-un.

Desde sua chegada à Presidência, Donald Trump cultivou uma relação de fascínio ambígua com vários líderes autoritários Foto: Saul Loeb/AFP

Durante a campanha, Joe Biden acusou Trump de abraçar “tiranos” como Vladimir Putin, da Rússia e Kim Jong-un. A questão nuclear é o tema mais sensível na relação entre os dois países. A volta de membros do governo ligados à gestão Obama, na visão de Menezes, preocupa o governo norte-coreano.

"A postura do Obama foi oposta a de Trump, que partiu diretamente para um acordo de alto nível com Pyongyang. Biden deve voltar para a estratégia que também foi de Bush e Clinton: ter uma abordagem mais ampla, que envolva China, Japão e Coreia do Sul. A questão da Coreia do Norte tem a ver com a segurança na Ásia."