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Por que o Peru está sempre a um passo do caos?

Líderes têm sido derrubados, na maior parte das vezes à força, durante os quase 200 anos da república

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Por Redação
Atualização:

Com a deposição de Martín Vizcarra, o Peru ampliou uma instabilidade governamental que poucos países conseguem igualar, com todos os seus presidentes, desde 1985, salvo um que foi deposto, presos ou submetidos a investigações por atividades criminosas. Com o presidente do Congresso assumindo o lugar de Vizcarra em meio aos protestos indignados da população e o nervosismo dos investidores, a pergunta é o que tem provocado esse recorde: a corrupção nesse país é pior do que em outras partes da América Latina, ou mais perversa, ou existe uma falha nas disposições constitucionais do Peru?

Manifestantes protestam contra Manuel Merino em Lima, no Peru Foto: Ernesto Benavides/AFP

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1. O que provocou tudo isto?

Vizcarra assumiu o poder em 2018 quando seu predecessor, Pedro Pablo Kuczynski, renunciou em meio a acusações de compra de votos para evitar um impeachment. Vizcarra logo em seguida entrou em choque com os parlamentares ao apresentar propostas para acabar com a corrupção no Judiciário e na política. 

Com um alto índice de aprovação, ele dissolveu o Congresso há 13 meses. Mas a disputa continuou com os novos parlamentares eleitos. O presidente não tinha nenhum partido para defendê-lo quando os promotores começaram a investigar acusações, não comprovadas, feitas por executivos da construção, de que ele recebeu propinas em torno de US$ 638 mil quando foi governador regional. 

2. A deposição dele foi constitucional?

A Constituição do Peru permite o impeachment de um presidente por “incapacidade moral permanente”. Os parlamentares citaram esse artigo para justificar o início dos procedimentos contra o presidente, afirmando, supostamente, que ele mentiu quando negou as acusações feitas. 

O Tribunal Constitucional do país poderá reinterpretar esse artigo no próximo mês quando analisar e decidir ação impetrada pelo governo de Vizcarra durante uma primeira tentativa de impeachment, em setembro. A Organização dos Estados Americanos (OEA) espera que o tribunal se manifeste sobre a “legalidade e legitimidade” do impeachment dele.

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3. E como isto se reflete na situação política?

A situação é tensa. Vizcarra ainda é popular e sua deposição provocou grandes manifestações, especialmente dos jovens peruanos que consideram esse impeachment uma tomada de poder ilegítima de políticos interesseiros. Numa pesquisa recente da Ipsos, 78% dos peruanos são contrários à sua saída e 54% aprovam seu governo. 

Somente 22% concordam com o presidente do Congresso, Manuel Merino, que deixou sua função no Congresso para assumir a presidência. Deputado pelo Partido de Ação Popular, de centro, Merino reiterou que a eleição geral marcada para 11 de abril será realizada como foi determinado. E ele terá de governar frente aos manifestantes que continuam protestando e as demandas dos aliados no legislativo mais encorajado.

4. Quão generalizada é a corrupção? 

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A corrupção está disseminada em muitos níveis. Nos últimos anos, escândalos revelaram uma corrupção descontrolada entre as elites do país. Em 2018, a polícia antinarcóticos colocou o sistema judiciário em crise, quando revelou uma rede de corrupção no judiciário com contatos no Congresso. 

O caso irrompeu na esteira do escândalo de propinas no âmbito do processo da Lava Jato em que foi revelado que a empresa Odebrecht, do Brasil, pagava propinas para líderes na América Latina. Quatro presidentes do Peru foram implicados. A corrupção substituiu o crime e se tornou a maior preocupação dos peruanos nos últimos anos.

5. As batalhas políticas sempre foram tão acirradas?

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Sim. Líderes têm sido derrubados, na maior parte das vezes à força, durante os quase 200 anos da república peruana. O atual establishment político está fraturado e presidentes raramente recebem um mandato forte dos eleitores. 

O Congresso de uma única câmara, com 130 assentos, tem nove partidos, alguns deles também divididos. Na eleição geral de 2016, o predecessor de Vizcarra, Pedro Pablo de Kuczyinski contava com apenas 18 parlamentares a favor, o que o tornou vulnerável aos ataques da oposição.

6. Por que o Congresso e a presidência discordam tanto?

Este Congresso tem proposto leis populistas, como uma limitação das taxas de juro sobre empréstimos bancários, desde que assumiu em março deste ano em meio à pandemia, e o governo tem se oposto a muitos dos projetos de lei apresentados. Vizcarra sancionou uma reforma constitucional em 2018 proibindo a reeleição de deputados, após um referendo. Na opinião de alguns observadores, essa reforma deu a eles uma razão a menos para assumirem um enfoque de longo prazo e responsável do processo legislativo.

7. Qual o impacto desta instabilidade?

Os preços de títulos e ações começaram a se recuperar das perdas imediatamente após a deposição de Vizcarra. O impacto da turbulência política sobre os ativos peruanos com frequência é abafado. O Peru tem alguns dos mais fortes fundamentos econômicos da América Latina, o que tranquiliza os investidores estrangeiros, mas a instabilidade do país é perniciosa para as empresas locais, que pesa no crescimento.

8. Quão ruim tem sido a pandemia no país? 

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É a pior situação possível. O número de mortes per capita no Peru é um dos mais altos do mundo, apesar do severo lockdown decretado no início da pandemia que aniquilou a economia. O governo avalia que um terço da população contraiu o coronavírus. As infecções diárias e mortes vêm caindo drasticamente desde agosto. /TRADUÇÃO DE TEREZA MARTINO

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