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Por que os cidadãos lutam para recuperar Istambul

População está insatisfeita com o estilo imperial do premiê, com a lenta islamização do país e a brutalidade da polícia

Por DAVID KENNER
Atualização:

Quando o premiê Recep Tayyip Erdogan fez seu discurso em Washington, há duas semanas, não mencionou os palestinos nem a crise na Síria. Preferiu falar de um projeto: seu governo havia aprovado US$ 29 bilhões para a construção do terceiro aeroporto de Istambul, com capacidade para 100 milhões de passageiros ao ano. "Não é a Turquia que fala do mundo", disse Erdogan à plateia de empresários. "É o mundo que fala da Turquia." Quem ouviu o premiê não imagina que muitos ambientalistas questionam os custos ecológicos do projeto, enquanto urbanistas temem que ele piore ainda mais os graves problemas de trânsito da cidade. O crescimento econômico acelerado da Turquia, embora impressionante, também ajuda a explicar por que cidadãos irromperam em protesto no fim de semana. O estopim das manifestações foi a decisão de transformar o Parque Gezi - um raro oásis de verde no centro de Istambul - na réplica de uma caserna da era otomana e um shopping center. Há muito que a Plataforma Taksim, um grupo de cidadãos locais, havia pedido revisão do projeto. Mas, até as manifestações de sexta-feira, o partido de Erdogan havia tocado o projeto por decreto, com pouca discussão pública. É uma velha história na Turquia. A uma caminhada de 5 minutos do Parque Gezi fica Tarlabasi, bairro de trabalhadores que, durante muito tempo, abrigou pessoas que viviam à margem da cidade - há um século, eram artífices gregos, judeus e armênios. Hoje, são membros da minoria curda que migraram, fugindo da insurgência sangrenta no sudeste da Turquia. Erdogan logo se intrometeu para construir um Tarlabasi melhor: como escreveu Piotr Zalewsk para Foreign Policy, ele usou uma lei de desapropriação por interesse público para reclamar boa parte da área, encarregando uma empresa privada de transformar o lugar em um bairro elegante de prédios de luxo e shopping centers. Apesar de Tarlabasi ter sido declarado "área de renovação urbana", em 2006, os moradores só ficaram sabendo da demolição de suas casas em 2008. Para moradores de Istambul que se opõem a Erdogan, o premiê não está apenas reformando a cidade sem consultá-los. Está colocando a tarefa nas mãos de empresários ligados a ele. A companhia que ganhou o contrato para reconstruir Tarlabasi pertence à Calik Holding, cujo CEO é genro de Erdogan. A relação simbiótica entre empresários e políticos está viva e próspera. A meia hora de carro, ao norte do Parque Gezi, ficam as fundações da ponte Yavuz Sultan Selim, ligando os lados europeu e asiático de Istambul. Erdogan adotou o antigo grande projeto de construção de uma terceira ponte como se fosse seu. Ambientalistas temem que a construção exija o corte de 2,5 milhões de árvores e cause uma nova uma dispersão urbana. Razões. O Parlamento, porém, autorizou o projeto sem a aprovação dos urbanistas. Até o nome da ponte provocou controvérsia: enquanto muitos turcos sunitas reverenciam Yavuz Sultan Selim como um sultão otomano conquistador, os alevitas o consideram um líder que massacrou membros de sua comunidade minoritária. Esses projetos controvertidos de infraestrutura não se restringem a Istambul. Anna Louie Sussman escreveu na Foreign Policy que o governo usa a "renovação urbana" para implementar sua agenda social conservadora na capital, Ancara, onde o Estado tem atacado o comércio sexual, orientando a polícia a perseguir prostitutas e derrubando bordéis para construir novos bairros para ricos. Evidentemente, o crescimento econômico da Turquia reforça a situação de Erdogan - o premiê nunca perde uma chance de mencionar que o PIB triplicou durante seu governo. No entanto, as queixas dos manifestantes não se limitam aos desmandos no desenvolvimento urbano: muitos foram às ruas para expressar descontentamento com o estilo imperial do primeiro-ministro, contra a islamização do país e a brutalidade da polícia. O que a Turquia testemunha no Parque Gezi é a mistura de todos esses abusos.   TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK.

* DAVID KENNER É JORNALISTA.

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