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Por que os imigrantes fogem da África

Refugiados tentam escapar da agricultura devastada, superpopulação e falta de emprego

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Por Redação
Atualização:

AGADEZ, NÍGER - É segunda-feira e isso significa dia de mudança em Agadez, um cruzamento ao norte do deserto do Níger e a principal plataforma de onde saem os refugiados da África Ocidental. Fugindo da agricultura devastada, superpopulação e falta de emprego, os imigrantes de uma dezena de países se reúnem em caravanas todas as segundas-feiras à noite e iniciam uma corrida louca pelo Saara em direção à Líbia, na esperança de eventualmente cruzar o Mar Mediterrâneo até a Europa.

A montagem dessa caravana é uma cena a ser testemunhada. Embora seja noite, ainda faz 40ºC e há apenas uma lua crescente para iluminar a escuridão. Então, de repente, o deserto acorda.

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Usando o aplicativo de mensagens WhatsApp de seus celulares, os traficantes locais, vinculados a redes de contrabandistas que se estendem por toda a África Ocidental, começam a coordenar o carregamento clandestino de imigrantes que estão em abrigos e porões por toda a cidade. Eles vêm se reunindo há semanas, vindos do Senegal, Serra Leoa, Nigéria, Costa do Marfim, Libéria, Chade, Guiné, Camarões, Mali e outras cidades de Níger.

Com 15 a 20 homens (não há mulheres) amontoados na parte de trás de pick-ups Toyota, com braços e pernas pendurados para fora, os veículos surgem de becos e ruelas e seguem os carros que partiram na frente para garantir que não haverá policiais, oficiais ou guardas de fronteiras desagradáveis à espreita que ainda não foram pagos. É como assistir a uma sinfonia, mas ninguém tem ideia de quem é o maestro. Eventualmente, todos convergem para um ponto de encontro no norte da cidade, formando uma caravana gigante de 100 ou 200 veículos - a grande quantidade é necessária para afastar os bandidos do deserto.

Pobre Níger. Agadez, que tem casas com paredes de barro ornamentadas, é um notável Patrimônio Mundial da Unesco, mas a cidade foi abandonada pelos turistas depois que locais próximos foram atacados pelo Boko Haram e outros jihadistas. Por isso, como explica um traficante, os carros e os ônibus da indústria do turismo estão sendo reaproveitados na indústria da imigração. Há agora por toda a África Ocidental recrutadores, ligados aos traficantes, que trabalham por conta própria e pedem às mães dos meninos US$ 400 ou US$ 500 para mandá-los procurar empregos na Líbia ou na Europa. Poucos conseguem, mas outros continuam chegando.

Estou na estação de controle da rodovia de Agadez vendo esse desfile de carros. À medida que os veículos Toyota passam por mim, levantando poeira, pintam a estrada do deserto com incríveis silhuetas de jovens banhados de luar, em silêncio, de pé na carroceria das pick-ups. Pensar que sua Terra Prometida é a Líbia devastada pela guerra mostra o quanto as condições que estão deixando para trás são desesperadoras. Entre 9 mil e 10 mil homens fazem essa jornada todos os meses.

Poucos concordam em conversar. Um grupo de homens muito jovens de outro lugar de Níger me conta que estão, na verdade, indo se unir à corrida para encontrar ouro em Djado, mais ao norte da cidade. Mais típicos são cinco jovens que, com um francês com sotaque senegalês, contam uma história familiar: não havia emprego em sua vila, foram para a cidade, não acharam trabalho lá, e agora estão indo para o norte.

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A revolução na Síria foi provocada, em parte, pela pior seca de quatro anos da história moderna do país - além da superpopulação, tensões climáticas e internet - e o mesmo acontece com a onda migratória dos africanos. É por isso que estou aqui filmando um episódio da série “Years of Living Dangerously” (Os Anos em que Vivemos Perigosamente) sobre as mudanças climáticas no planeta, que aparecerá no canal da National Geographic daqui a alguns meses. Estou viajando com Monique Barbut, chefe da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, e Adamou Chaifou, ministro do Meio Ambiente de Níger.

Chaifou explica que a África Ocidental passou por duas décadas de secas não contínuas. Os períodos secos levam as pessoas desesperadas a desmatar as encostas para retirar madeira para cozinhar ou vender, mas agora são seguidos de chuvas cada vez mais violentas, que facilmente lavam o solo estéril, já sem árvores. Enquanto isso, a população explode - as mães de Níger têm uma média de sete crianças -, os pais continuam a ter muitos filhos em razão do seguro social, e a cada ano mais terras férteis viram desertos.

“Hoje perdemos anualmente para a desertificação 100 mil hectares de terras aráveis. E perdemos entre 60 mil e 80 mil hectares de florestas todos os anos”, afirma Chaifou.

O normal, segundo ele, é que a estação das chuvas “começasse em junho e durasse até outubro. Agora temos mais chuvas fortes em abril, e você precisa plantar logo depois que chove”. Então, fica seco novamente por um mês ou dois, depois as chuvas voltam muito mais fortes do que antes e causam inundações que levam as colheitas embora, “e isso é uma consequência das mudanças climáticas” - causadas, diz ele, principalmente pelas emissões do norte, não de Níger e de seus vizinhos.

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“A desertificação age como o gatilho. E as mudanças climáticas são o amplificador dos desafios políticos que estamos vendo hoje: imigrantes econômicos, conflitos entre etnias e extremismo”, explica Monique Barbut. Ela mostra três mapas da África com um esboço oblongo em torno de vários pontos agrupados no meio do continente. O mapa 1 mostra as regiões mais vulneráveis de desertificação na África em 2008. O mapa 2, os conflitos e brigas por comida na África em 2007 e 2008. E o mapa 3, os ataques terroristas na África em 2012. As três linhas cobrem o mesmo território.

Recentemente, a União Europeia fez um acordo com a Turquia para aumentar muito a ajuda da União Europeia para que Ancara lide com os refugiados e imigrantes que chegarem ao país e restrinja seu fluxo para a Europa.

“Se investíssemos uma fração dessa quantia para ajudar as nações africanas a combater o desmatamento, melhorar a saúde e a educação e sustentar a agricultura de pequena escala, que é o meio de sustento de 80% das populações na África, elas poderiam ficar na terra. Seria muito melhor para elas e para o planeta”, explicou Michele.

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Todo mundo quer construir muros nos dias de hoje, afirmou ela, mas o muro que mais precisamos é um “muro verde”, de reflorestamento que seguraria o deserto e se estenderia de Mali no oeste à Etiópia no leste. “É uma ideia que os próprios africanos tiveram”, contou ela. E faz muito sentido.

Porque, no final, nenhum muro vai segurar essa onda de imigrantes. Tudo que você vê por aqui são gritos de que, a não ser que haja uma maneira de estabilizar a pequena agricultura da África, de alguma maneira ou de outra, eles vão tentar chegar à Europa. Os que não podem, com certeza vão gravitar para um grupo extremista que os pague. Muitos hoje sabem pelos meios de comunicação que há uma vida melhor além-mar e acreditam que seus governos são muito frágeis para poder ajudá-los a melhorar.

Entrevistei 20 homens de pelo menos 10 países africanos no centro de apoio Organização Internacional para a Migração em Agadez - todos haviam ido para a Líbia, tentaram e não conseguiram chegar à Europa e voltaram, mas não tinham dinheiro nem meios de retornar para suas vilas. Perguntei a eles: “Quantos de vocês e de seus amigos deixariam a África e iriam para a Europa se pudessem entrar legalmente?”

“Tout le monde”, eles praticamente gritaram, enquanto levantavam as mãos. Não sei muito francês, mas acho que significa “todo mundo”.

*The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

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