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Por trás do conflito, a luta pelo petróleo

Por Gilles Lapouge
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A Rússia reconheceu a independência de duas regiões separatistas da Geórgia, a Ossétia do Sul e a Abkázia. Agora, nomeará embaixadores para essas províncias da Geórgia, um país soberano. O premiê russo, Vladimir Putin, e o presidente Dmitri Medvedev têm descaramento suficiente para isso: o que acharíamos se a Grã-Bretanha reconhecesse de repente a independência da Córsega francesa, ou se a Alemanha enviasse um embaixador ao País Basco espanhol? Os países ocidentais estão absolutamente indignados. E é compreensível. Ocorre que estão indignados há 15 dias e os russos não se dão conta disso. Só para lembrar: no dia 7 o presidente georgiano, Mikhail Saakashvili, lançou seus soldados contra a Ossétia do Sul. Dois dias depois, Moscou respondeu, bombardeando a cidade de Gori, na Geórgia. E agora, o que fará o Ocidente? Se indignará um pouco mais. Na segunda-feira, a União Européia fará uma reunião de cúpula sobre o conflito no Cáucaso. A cúpula será presidida por Nicolas Sarkozy, porque a França exerce a presidência rotativa da UE. Sarkozy já começou com suas manobras. Desde o início do conflito, ele reagiu com uma vivacidade e uma energia inauditas na Europa. Esteve em toda parte, em Tbilisi, capital da Geórgia, em Moscou. E fez maravilhas: conseguiu que os dois adversários assinassem um plano para sair da crise. Infelizmente, os russos se esquecem que assinaram o documento. E continuam submetendo as duas províncias separatistas da Geórgia. Qual a razão desse espírito combativo dos russos? É que eles se sentem fortes. Depois de 20 anos de desastres e humilhações, acham-se em condições de impor sua lei em seu "quintal" caucasiano. Diante deles, estão os EUA em uma debilidade total no fim da era Bush, e a Europa, um pouco desperta graças a Sarkozy, mas dividida entre os anti-russos viscerais (Polônia, países bálticos) e os países ponderados. Por outro lado, os russos (assim como os soviéticos ontem) estão convencidos de que o Ocidente os assedia, reconhecendo a independência de Kosovo, instalando o escudo antimísseis, empurrando a UE para as fronteiras russas, ampliando a Otan até os limites com a Rússia. Portanto, endurecem. Finalmente, e como sempre, o petróleo. Evidentemente, a Geórgia não produz petróleo, mas controla a rota pela qual ele flui para a Europa. Um terço do petróleo do Mar Cáspio passa pela Geórgia. Se a rota do petróleo (e também do gás) da Geórgia fosse cortada, o petróleo asiático seria obrigado a passar pela Rússia, o que permitiria a Moscou bloquear à vontade as exportações do Cáspio (o da Rússia e das ex-repúblicas soviéticas do Azerbaijão, Casaquistão e Turcomenistão) para a Europa. Isso proporcionaria um "trunfo" espetacular à Rússia em suas relações com a Europa. Há um ano e meio, pudemos avaliar o poder dessa arma petrolífera, durante a crise russo-ucraniana, em janeiro de 2007. Na época, Moscou fechou os dutos que passam pela Ucrânia. Imediatamente, a Europa foi ameaçada de "escassez de petróleo". Depois do alerta, a UE lançou o projeto "Nabuco", um gasoduto que levará o gás do Cáspio até a Áustria. Seis meses mais tarde, Moscou imaginou um duto rival, com o grupo petrolífero italiano ENI, que contornará a Ucrânia (região pouco segura aos olhos dos russos) para abastecer a Europa. Pôr as mãos sobre as províncias separatistas da Geórgia contribui, portanto, para completar a rede de dutos que a Rússia criou para garantir seu controle sobre a saída do petróleo do Cáspio para a Europa. O combate é claro: os americanos e os europeus procuram contornar a Rússia e o Irã abrindo novos caminhos para o escoamento do petróleo sobre os quais a Rússia não tenha controle. Mas Moscou pretende manter ou retomar a administração das exportações de gás e de petróleo russos e asiáticos para a Europa. No confronto entre Ocidente e Rússia, a Geórgia ocupa uma posição estratégica, o que explica, por um lado, os esforços do Ocidente para que o país do Cáucaso passe a fazer parte de seus dispositivos econômico-militares. E, inversamente, os riscos assumidos pelo Kremlin para derrotar a Geórgia e atrair para a esfera de influência da Rússia as duas províncias separatistas georgianas pró-Rússia: Abkázia e Ossétia do Sul. Começou um difícil jogo de xadrez. É preciso dizer que, por enquanto, o jogador russo conseguiu bloquear o jogador ocidental (os EUA e a UE). A não ser que na reunião convocada por Sarkozy surja uma idéia luminosa. *Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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