Possibilidade de bomba brasileira repercute na Argentina

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Por Agencia Estado
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As declarações do ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, sobre a necessidade de dominar a tecnologia da bomba atômica, causaram ampla repercussão na Argentina. O jornal "Clarín", o mais importante do país, dedicou uma página inteira ao "affaire atômico". Canais de TV e emissoras de rádio também comentaram o assunto como algo "inesperado". No entanto, o "Clarín" e outros meios de comunicação não analisaram o caso como um potencial perigo para a Argentina, mas sim, como uma quase inevitável fonte de conflitos na relação Brasil-EUA. O presidente Eduardo Duhalde, que estará em Brasília no dia 14 para uma visita oficial, disse hoje que "não serão feitas declarações sobre isso. Temos que ver exatamente o que o ministro disse, e se por acaso é ratificado pelo governo brasileiro. Por isso, estamos em compasso de espera". Para o analista de política internacional Julio Cirino, existem motivos de preocupação: "Isso desequilibraria o balanço das forças regionais". Segundo ele, o Brasil possivelmente não esteja pensando em construir uma bomba mas, sim, um o submarino nuclear. Cirino criticou o governo argentino, afirmando que o país adotou uma postura de "satelização voluntária" em relação ao Brasil. "O governo argentino encara o Brasil como um líder a seguir, mas isso não é um rumo adequado para a política internacional da Argentina". O Brasil e a Argentina deixaram de encarar um ao outro como ameaça desde a Guerra das Malvinas, em 1982. Na época, o Brasil manteve-se neutro em relação ao conflito que a Argentina estava tendo com a Grã-Bretanha. Mas, apesar da neutralidade, deu uma série de sinais de apoio e solidariedade ao país vizinho. Esta posição causou uma virada de 180 graus nas relações entre os dois países. Mas antes da Guerra no Atlântico Sul, não havia idílio entre os dois países. Desde a fundação, no século XVIII, por parte dos portugueses, da Colônia de Sacramento, sobre o Rio da Prata, em território atualmente do Uruguai, os dois países, na época colônias, começaram a ver-se como potenciais inimigos. Essa situação tensa permaneceu com a independência dos dois países, nas primeiras décadas do século XIX. Primeiro, o Brasil e a Argentina tinham como foco de tensão o Uruguai, que os dois ambicionavam anexar. Posteriormente, a questão deixou de ser territorial, e passou a ser uma simples disputa pela primazia regional. Isso causou uma corrida armamentista sem precedentes na região, que quase colocou os dois países à beira da guerra na última década do século XIX. Para apaziguar os ânimos, o presidente Julio A. Roca visitou o Rio de Janeiro em 1899. A visita foi retribuída pelo presidente Manuel Ferraz de Campos Salles, que desembarcou em Buenos Aires em 1900. A rivalidade ficou adormecida. No entanto, as tensões entre os dois países ressurgiriam durante a Segunda Guerra Mundial. O Brasil entrou no conflito bélico ao lado dos aliados, enquanto que a Argentina permaneceu neutra, embora com intensos vínculos com o Terceiro Reich. Com o fim da Segunda Guerra, a tensão reduziu-se, mas a rivalidade permaneceu. O fortalecimento das forças armadas argentinas durante o governo do general Juan Domingo Perón (1946-55) causou preocupações no Brasil. Essa tensão era aumentada pelos comentários de alguns setores próximos a Perón, que pediam a formação de uma "Grande Argentina", que incluiria porções do sul do Brasil. Estes setores nunca tiveram poder de influência significativo, mas o olhar desconfiado permaneceu dos dois lados. A situação agravou-se novamente a meados dos anos 70, quando estourou a crise de Itaipu-Corpus. Os argentinos, na época sob a Ditadura Militar do general Jorge Rafael Videla, não gostavam da idéia da construção de Itaipu, no Rio Paraná. Desde o final dos anos 60, os argentinos planejavam a construção da usina de Corpus, também sob o Rio Paraná. O governo argumentava que o imenso lago que Itaipu formaria reduziria drasticamente a potência da hidroelétrica argentina. Além disso, circulava na época uma teoria de que Itaipu funcionaria como uma imensa bomba "líquida" com capacidade destrutiva. A teoria indicava que uma eventual destruição de Itaipu - pelo próprio governo brasileiro - provocaria uma onda de água que correria pelo Paraná, destruindo as principais cidades da Argentina. Segundo cálculos militares argentinos da época, as águas de Itaipu chegariam até Buenos Aires, que ficaria inundada. Analistas afirmam que a situação só por pouco não chegou às vias de fato. Um dos fatores que suavizou a posição argentina era o "problema chileno". Na mesma época da crise com o Brasil, a Argentina estava mergulhada em uma intensa disputa com o Chile por causa do canal de Beagle, no extremo sul do continente. Os militares argentinos temiam ter uma guerra em duas frentes, o que os levaria inevitavelmente à derrota. Desta forma, fechou o acordo sobre Itaipu com o Brasil, o que lhes permitiu desviar toda sua atenção aos problemas com o Chile, com os quais quase entraram em guerra no Natal de 1978. O fato mais paradoxal desta crise é que Corpus nunca saiu do papel. No entanto, por ironias da história, há dois anos o governo argentino propôs que empresários brasileiros financiassem a construção da antes polêmica hidroelétrica, para abastecer de energia o sul do próprio Brasil. Outro fator que alimentava as desconfianças mútuas eram os respectivos programas nucleares, setor no qual, na época, a Argentina estava mais desenvolvida, já que havia começado intensamente suas primeiras pesquisas no início dos anos 50. Depois da Guerra das Malvinas, as forças armadas dos dois países abandonaram os projetos de utilização bélica da energia atômica. Com governos civis tanto no Brasil como na Argentina, os militares começaram uma série de manobras conjuntas e intercâmbio de oficiais que tornou o setor militar em um dos mais integrados dentro do Mercosul e em todo o mundo. Atualmente, pilotos navais argentinos, que há uma década não contam com porta-aviões próprios, utilizam o porta-aviões brasileiro "São Paulo" para treinamento. Além disso, parte dos pilotos brasileiros recebem instrução dos pilotos argentinos, que possuem a experiência da Guerra das Malvinas.

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