Precisamos de um presidente radical

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Por Thomas Friedman (The New York Times)
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Por um dia vamos aplaudir a nós mesmos. Quase 233 anos após a fundação dos EUA e 46 anos após o discurso I have a dream, de Martin Luther King, essa mescla de imigrantes chamada de americanos finalmente elegeu um negro, Barack Hussein Obama, para presidente. Retornando da cerimônia de posse, vi um vendedor de rua negro usando uma camiseta onde se lia uma frase que captura o momento: "Missão cumprida". Não podemos, porém, permitir que essa seja nossa última missão ou o último paradigma que quebramos. Agora, precisamos escrever uma história nova, que revigore os EUA. Para mim, essa foi a essência do discurso de posse de Obama e espero que nós, americanos, estejamos à altura do desafio. Na verdade, espero que Obama realmente tenha andado todos esses anos em companhia do radical de Chicago, Bill Ayers. Espero que ele seja um radical secreto. Não um radical de esquerda ou de direita, apenas um radical, porque este é um momento radical. É a hora de abandonarmos tudo o que costumamos fazer normalmente. Não podemos mais prosperar como país com base na nossa reputação, adiando as soluções que provoquem sofrimento, repetindo para nós mesmos que novas iniciativas são muito difíceis de adotar. Oportunidades para atitudes corajosas e novos recomeços são raras. Em parte por causa da inércia projetada na nossa Constituição, como a separação dos poderes, em parte por causa do modo como se faz pressão pela liberação de verbas, por causa da sede de notícias e de uma campanha presidencial permanente. Tudo isso conspira para que não haja mudanças. "O sistema foi criado para provocar impasses", disse Michael Sandel, cientista político da Universidade Harvard. "Em períodos normais, a energia e o dinamismo da vida americana residem na economia e na sociedade, e as pessoas encaram o governo com suspeita ou indiferença. Mas, em tempo de crise, os americanos esperam que o governo é que resolva os problemas. São nesses momentos que os presidentes podem fazer grandes coisas." Segundo Sandel, nos anos 30, a Grande Depressão permitiu que Franklin Roosevelt lançasse o New Deal e redefinisse o papel do governo federal, enquanto nos anos 60, o assassinato de John Kennedy e o ativismo político permitiram que Lyndon Johnson sancionasse o Medicare e a Lei de Direitos Civis. "Esses presidentes fizeram mais do que promulgar novas leis", disse Sandel. "Eles reescreveram o contrato social e redefiniram o que é ser um cidadão. O momento de Obama pode levar ao mesmo resultado." George W. Bush desperdiçou seu momento de reformar o país após o 11 de Setembro. Isso jogou os EUA em um buraco. A consciência de que estamos no fundo do poço é que faz deste um momento radical, que clama por um abandono da continuidade no jeito de agir. Por isso, Obama precisa buscar mais cooperação do que competição. Bush se empenhou, mas falhou no elemento mais básico da liderança: uma administração competente. O novo presidente terá de decidir o que atacar: uma nova lei de imigração, um sistema nacional de saúde, uma nova matriz energética ou a restauração do sistema bancário? Todas essas questões ao mesmo tempo ou uma de cada vez? É muito cedo para dizer. O que sei é que, embora crises sejam difíceis de vencer, também é duro derrotar um político talentoso, um orador com rara habilidade para congregar as pessoas, particularmente os jovens. Assim, embora seja impossível romper mais com o passado, nunca nosso futuro dependeu tanto de um rompimento com o presente. "O tempo de sermos conservadores e adiarmos decisões difíceis passou", disse Obama na posse. Por isso, precisamos voltar a trabalhar em nosso país e nosso planeta de maneira nova. Já estamos atrasados. O projeto não poderia ser mais difícil, a aposta não poderia ser mais alta, mas a recompensa também não poderia ser maior. *Thomas Friedman é colunista

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