Premiê russo já fala em presidência

Recém-nomeado, Zubkov admite disputar eleição presidencial; estratégia permitiria volta de Putin ao poder em 2012

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Por Reuters , AP e Moscou
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A decisão do presidente Vladimir Putin de nomear um político desconhecido como primeiro-ministro da Rússia poderá facilitar seu retorno ao poder depois de deixar o cargo, no próximo ano. Até esta semana, analistas russos acreditavam que Putin seguiria o padrão adotado por seu antecessor, Boris Yeltsin, indicando como premiê um político peso pesado. Tal pessoa seria também o candidato do chefe de Estado para as eleições presidenciais de março. A nomeação de Viktor Zubkov, discreto diretor do órgão federal de supervisão financeira, porém, aumentou as incertezas sobre a sucessão. De acordo com alguns analistas, a inesperada escolha de Zubkov pode ser um indicativo dos planos de Putin. O presidente russo não pode concorrer em 2008 depois de cumprir dois mandatos consecutivos, mas já deixou claro que pretende continuar atuante na política depois de entregar o cargo. Entretanto, num país em que o presidente costuma ser todo-poderoso, Putin correria o risco de que a pessoa alçada ao Kremlin em março não se mostrasse disposta a entregar o cargo após um único mandato. Segundo o analista político Andrei Varva, da agência de notícias estatal RIA-Novosti, a vantagem de Zubkov é que em 2012 ele teria 70 anos. Como essa é a idade máxima para que um candidato possa concorrer nas eleições presidenciais, um novo mandato estaria automaticamente descartado. Aos 54 anos e aparentemente com boa saúde, Putin não afasta a possibilidade de concorrer novamente à presidência em 2012, o que a Constituição lhe permite. E a verdade é que muitos russos esperam que ele volte. Segundo o presidente russo, a escolha de Zubkov foi feita com o objetivo de assegurar a continuidade de suas políticas. Popular entre os eleitores, a gestão de Putin tem combinado um rápido crescimento econômico com uma centralização da administração pública e uma política externa assertiva. Com tanto apoio e tão intenso controle sobre a máquina estatal, o mais provável é que a pessoa que Putin indicar para sucedê-lo em março seja confirmada pelo povo russo para o cargo. NA BRIGA O novo premiê pode ter ajudado a confirmar essa tese ontem, ao dizer que não rejeita a possibilidade de concorrer às eleições presidenciais no próximo ano "se alcançar algo" no cargo atual. "Esse é um cenário que eu não descarto", afirmou Zubkov durante uma entrevista no Parlamento, em Moscou. Não ficou claro se o anúncio foi planejado ou se, como defendeu uma fonte do governo mais tarde, foi resultado de "certa confusão" do novo premiê diante das câmeras. Analistas avaliam que Zubkov jamais teria feito uma declaração dessa importância sem ter o aval de Putin. No passado, outros aliados do presidente russo cotados para substituí-lo, como os vice-premiês Sergei Ivanov e Dmitri Medvedev, sempre se esquivaram de perguntas sobre as suas ambições políticas. De acordo com Varva, para o Kremlin será relativamente fácil inflar a popularidade de Zubkov, que durante anos esteve encarregado do combate à lavagem de dinheiro e à corrupção - dois problemas endêmicos na Rússia. De fato, desde quarta-feira as emissoras de TV oficiais estão transmitindo horas e horas de programas contando a trajetória de ascensão do novo premiê dentro da burocracia do Estado soviético. Elas o descrevem como um homem honesto e trabalhador. Pela estratégia do Kremlin, explica Varva, vencidas as eleições de março, o primeiro-ministro passaria a ser uma espécie de presidente interino, que prepararia a volta de Putin. LEALDADE Para Masha Lipman, do instituto de pesquisas Centro Carnegie Moscou, Zubkov também poderia ser útil a Putin como o primeiro-ministro de outro presidente. "Esse homem é muito leal a Putin, com quem trabalhou na administração de São Petersburgo", diz Marsha. Na edição de ontem, o jornal Tvoi Den também assinalava que a antiga função de Zubkov no Serviço Federal de Controle Financeiro lhe permitiu conhecer ao longo dos últimos anos exatamente quanto dinheiro foi movimentado na Rússia - e por quem. A informação é valiosa para Putin num país assolado pela corrupção e dominado por um punhado de oligarcas fabulosamente ricos. "Zubkov é uma pessoa na qual Putin confia e, ao indicá-lo, o presidente conseguiu manter distância de outros possíveis centros de influência do Kremlin", avalia Alexei Makarkin, do Centro de Tecnologias Políticas. A Câmara Baixa do Parlamento russo (Duma) deve confirmar hoje o nome de Zubkov para o cargo de premiê. POSSÍVEIS CANDIDATOS DMITRI MEDVEDEV De 42 anos Segundo vice-primeiro-ministro. É considerado o segundo herdeiro natural de Putin. Ex-chefe do gabinete da presidência. Discreto e desprovido de carisma, pertence ao clã de São Petersburgo que permeou as estruturas do poder na mão de Putin. É diretor do conselho da companhia estatal de gás Gazprom. SERGUEI IVANOV De 54 anos Primeiro vice-primeiro-ministro, nascido em São Petersburgo. Ex-espião e vice-diretor da ex-KGB quando o atual presidente era seu diretor. Muitas vezes é descrito como um clone do presidente Putin. É simpático e fala inglês perfeitamente. É o favorito da imprensa russa e dos países ocidentais. VIKTOR ZUBKOV De 65 anos Praticamente desconhecido até quarta-feira, quando foi nomeado primeiro-ministro por Putin. Foi diretor do Serviço de Controle Financeiro, órgão federal que luta contra a lavagem de dinheiro e operações bancárias obscuras. Trabalhou com Putin na prefeitura de São Petersburgo no início da década de 90. ESTRATÉGIAS DE PUTIN Aliado leal: Segundo teorias, Putin escolherá um aliado leal com boa experiência no governo como seu candidato preferido, a fim de garantir a continuidade de suas políticas Azarão: Outra hipótese é Putin apoiar alguém relativamente desconhecido. Nesse caso, o presidente seria uma figura fraca, o que permitiria que Putin governasse nos bastidores. O cenário facilitaria o retorno de Putin ao poder na eleição de 2012, quando ele terá direito de candidatar-se novamente Disputa dirigida: Putin, que sufocou a oposição política e agarra-se ao poder com firmeza, poderia oferecer aos eleitores uma escolha entre dois de seus aliados. Cada um poderia concorrer por um partido pró-Kremlin e qualquer resultado seria aceitável para Putin

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