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Presidente francês adere à ''''realpolitik'''' que tanto criticava

Por Gilles Lapouge
Atualização:

Nicolas Sarkozy não pára. O homem é insaciável. Mal conseguiu a libertação das cinco enfermeiras búlgaras e do médico palestino que estavam detidos na Líbia havia oito anos, ele retoma a estrada. Seu destino é a África, onde ele começa um périplo audacioso, aproveitando precisamente o respaldo do triunfo que acaba de obter na Líbia. Sua pressa é compreensível. A proeza que ele acaba de realizar teve uma repercussão imensa em toda a África. Seu estilo encantou os africanos: uma mistura de coragem, pragmatismo, emoção e simplicidade. Eles adoram essa diplomacia encarnada por um homem só, em vez daquela conduzida por funcionários ou ministros grisalhos, todos intercambiáveis. Sarkozy pratica uma diplomacia "com rosto humano". Com ele, não é a chancelaria, com suas filigranas, sutilezas, arrogância e protocolos, que negocia: é um homem que fala a outro homem. A Líbia tem importância econômica. Rica e grande produtora de petróleo, sofreu durante muito tempo um embargo internacional. A partir de 1992, foi punida pelas atividades terroristas do coronel Muamar Kadafi. É fato que esse embargo foi suspenso em 1999 e encerrado em 2003, mas por causa dele toda a infra-estrutura da Líbia está decrépita, obsoleta. O país requer um enorme esforço de modernização. Os grandes países industriais, da Alemanha aos EUA, já começaram a avançar sobre o mercado líbio. A França está atrasada. Mas, depois de sua jogada de mestre, Sarkozy vai conseguir mercados. Não custa lembrar que a Líbia exerce grande influência sobre seus vizinhos, sobretudo árabes. País aberto para o Mediterrâneo por 2 mil quilômetros de costa, ligado à África por 6 mil quilômetros de fronteiras, a Líbia é uma passagem natural entre o conjunto africano e a Europa. Abrindo para a França o mercado líbio, Sarkozy espera abrir também a África. Apesar da importância dos benefícios econômicos, o essencial não está nisso. Há anos que o coronel Kadafi se esforça para ser aceito como um parceiro confiável no concerto internacional. Mas seu passado o condena. O "novo Kadafi" tem dificuldade para apagar o fantasma do antigo. Em 1988 e 1989, a Líbia organizou dois atentados aéreos, explodindo um avião americano na Escócia (270 mortos) e depois um avião francês em Níger (170 mortos). Em 1999, Trípoli teve de enviar dois suspeitos líbios de terrorismo para julgamento na Grã-Bretanha, onde foram condenados. Foi um começo de normalização das relações entre a Líbia e os países ocidentais. Depois disso, o coronel Kadafi tem se empenhado em mostrar bons sentimentos. Ele agora desaprova o terrorismo. É sob essa luz que se deve interpretar o drama das enfermeiras búlgaras e do médico palestino - ou melhor, seu desfecho feliz. Se Kadafi finalmente os libertou, é para mostrar sua humanidade, sua justiça. Paradoxo extraordinário: ele se comporta como um carrasco cruel e sádico (mantendo inocentes durante oito anos em prisões indecentes) para, depois, querer tornar-se honrado novamente. E, em parte, graças a Sarkozy. Tem uma coisa estranha aí. Durante sua campanha eleitoral, Sarkozy só teve palavras duras para condenar a "realpolitik" que levou os líderes ocidentais a fechar os olhos sobre a Chechênia, o Tibete, as violações dos direitos humanos, etc., em nome do "realismo político". Ora, em sua primeira e brilhante operação diplomática, Sarkozy obedece alegremente à regra da realpolitik: para salvar pessoas martirizadas por Kadafi, o presidente francês concede um brevê de respeitabilidade a esse homem dos menos respeitáveis.

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