Presidente recupera fôlego para discurso

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Rodrigo Cavalheiro

Ao longo de 69 páginas, o juiz Daniel Rafecas não se limitou a negar seguimento ao pedido de investigação contra a presidente Cristina Kirchner por acobertamento de iranianos no caso Amia. O magistrado também foi agressivo ao desmontar a tese de Alberto Nisman. Atribuiu ao promotor morto "graves erros" e estendeu sua crítica a Gerardo Pollicita, que usou a denúncia para pedir o indiciamento da presidente, do chanceler Héctor Timerman e de outros kirchneristas. Resumidamente, Rafecas disse que a denúncia é desperdício de tempo e de papel. E concedeu a si a prerrogativa de opinar, qualificando como exemplar o trabalho da presidente na "busca por verdade e justiça" no caso Amia.

Tamanha adulação fez com que partissem da oposição insinuações sobre a relação de Rafecas com o Executivo. A deputada Elisa Carrió, provavelmente a voz mais estridente contra o kirchnerismo, lembrou que o juiz é um "ficha suja" do Judiciário, por ter sua conduta sob suspeita em outros casos. Para ela, o texto "chapa-branca" esconde um pedido de proteção nas causas pelas quais ele pode perder o cargo.

Nisman denunciava um acordo entre Argentina e Irã com fins comerciais, em troca de proteção para os iranianos acusados do atentado. Para Rafecas, se o pacto não se consumou. não houve delito e não será necessário investigar se a negociação secreta esteve em curso.

Técnica ou não, a decisão dá à presidente uma brecha para sair do bunker em que estava desde a morte do promotor. Ao considerar a denúncia de Nisman irrelevante, Rafecas fortalece uma das hipóteses governistas, a de que o promotor pode ter se matado ao perceber que não tinha provas do que havia posto no papel e esclareceria no Congresso no dia seguinte.

Embora a presidente esteja envolvida em uma acusação com elementos mais sólidos - seu patrimônio cresceu 1.200% enquanto os hotéis de sua família davam lucro maior do que justificaria o registro de hóspedes - o caso de apelo popular contra ela foi praticamente encerrado.

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Cristina se revigora dias antes de um discurso anual no Parlamento que deve mobilizar domingo o kirchnerismo na frente do Congresso. O 1M, como tem sido chamado pelo kirchnerismo, é uma tentativa de revide ao 18F, quando 400 mil pessoas homenagearam Nisman em uma marcha e, indiretamente, criticaram Cristina. Em seu último ato do tipo após oito anos no poder, seus rivais preveem que ela mantenha a tática kirchnerista de atacar sempre e não admitir erros. A decisão de Rafecas dá a ela a chance de se colocar no papel de injustiçada e incendiar uma militância que andou retraída no último mês.

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