Presos das Farc iniciam greve de fome por reconhecimento político

Para analistas, pressão coloca governo colombiano em situação delicada.

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Por Leandra Felipe
Atualização:

Ex-guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) detidos em mais de 10 penitenciárias colombianas começaram hoje uma greve de fome em protesto à negativa do governo do país em reconhecê-los como prisioneiros políticos. O grupo também reivindica que o governo do presidente Juan Manuel Santos autorize uma visita humanitária aos cárceres da Colômbia. Oficialmente a Colômbia tem cerca de 8 mil presos nestas condições. A Corporação Arco-Íris, que estuda o conflito armado colombiano, estima que 9,5 mil ex-guerrilheiros das Farc e de outras guerrilhas, como o Exército de Libertação Nacional (ELN), estejam detidos em presídios do país e dos Estados Unidos. Em um comunicado publicado no site de notícias das Farc, assinado pelos próprios presos, eles declaram que o protesto acontece pelo direito de serem visitados, para que o país e a comunidade internacional possam conhecer a real situação dos "presos políticos de guerra e de consciência", como se autodenominam. "Como pode o governo falar de paz e negar politicamente e midiaticamente nossa existência?", questiona o grupo no comunicado. Impasse O impasse que motivou a greve de fome começou no começo deste mês, quando o ministro da Justiça, Juan Carlos Esguerra, negou a permissão de visita à ex-senadora Piedad Córdoba. Dias antes o próprio ministro havia permitido que fosse realizada uma visita humanitária aos presos. Córdoba, atual interlocutora entre a guerrilha e o governo e líder da ONG Colombianos y Colombianas por la Paz, pretende visitar os detidos acompanhada de representantes do grupo Mujeres del Mundo por la Paz. Dias depois da negativa, o presidente Santos justificou que o país não permitiria a visita, porque "não existem presos políticos e nem prisioneiros de guerra na Colômbia". Para a guerrilha a visita transformou-se em uma reivindicação para a liberação de 10 reféns militares e policiais, prometida desde dezembro. No último domingo, em outro comunicado, as Farc disseram que aceitam os protocolos de segurança acertados entre as partes para a libertação dos sequestrados. O comunicado foi assinado pelo atual líder da guerrilha, Timochenko, que assumiu o comando em novembro após a morte de Alfonso Cano. Ele diz que tudo está pronto, mas que falta a permissão da visita humanitária aos prisioneiros. Na semana passada o governo colombiano, Piedad Córdoba, a Cruz Vermelha e o governo brasileiro definiram todos os protocolos para a operação de resgate humanitário, que estaria pronta para acontecer no começo de abril. Agenda da guerrilha Ainda que Piedad Córdoba tenha dito que a visita terá um caráter "meramente" humanitário, analistas ouvidos pela BBC Brasil acreditam que o tema deve ser tratado com cuidado pelo governo. "É compreensível que Santos tenha dito que não existem presos políticos. Reconhecer sua existência não é algo que se possa fazer simplesmente em um discurso. Isso envolve aspectos jurídicos que não dependem da palavra presidencial", diz o cientista político Victor de Currea Lugo, da Pontificia Javeriana. Currea avalia que é prematuro falar de presos políticos agora. Ele acredita que adiantar estes temas quando "parece" que há um clima propício para o diálogo foi um erro cometido em outras negociações de paz que fracassaram. "Já tivemos muitos processos frustrados: com M-19, União Patriótica, Paramilitares e mesmo com as Farc. E em todos os fracassos notamos algo semelhante: ao invés de se manter o foco nos problemas, como na reforma agrária, por exemplo, começamos a falar das revindicações dos grupos e dos pontos que cada lado quer ou não ceder", afirma. "As Farc mudaram o tom. Saíram da confrontação e começaram a se aproximar de um discurso mais favorável aos direitos humanos, com a promessa de liberação dos reféns e abandono do sequestro civil. Mesmo assim, é cedo para discutir aspectos jurídicos de presos da guerrilha", diz. Identidade Política Para a Corporação Arco-Íris, atrás de toda esta discussão está o desejo das Farc de colocar sobre a mesa o maior desafio para uma negociação no futuro: o marco jurídico (adequação de leis e da Justiça para julgar os envolvidos). Em artigo publicado sobre o tema, os estudiosos da Arco-Íris avaliam que as Farc querem aproveitar a proximidade da Cúpula das Américas, que vai ser realizada em abril, em Cartagena, e a provável liberação dos reféns para chamar a atenção da comunidade internacional e trazer de volta seu status político. Opinião semelhante tem o historiador Carlos Medina. Ele acredita que as Farc estão impulsionadas atualmente por um desejo de negociar, mas que o grupo não vai abrir mão de seus antigos ideais políticos. "Esse é o ponto central. O governo não quer reconhecer as Farc como grupo político. Ao reconhece os presos políticos, Santos estaria reconhecendo indiretamente também a agenda política da guerrilha", disse o pesquisador à BBC Brasil. Medina diz que o reconhecimento do conflito armado pelo governo Santos no ano passado foi um passo nesta direção, mas que até agora só favoreceu ao próprio governo. "Para previnir possíveis processos que as forças militares poderão sofrer por ações no combate à guerrilha, Santos reconheceu o conflito armado. Mas ainda não reconheceu a agenda política das Farc. Para que este processo de paz seja iniciado e não fracasse, o governo deve estar em constante avaliação de sua postura", afirma. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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