Pressão do Ocidente e a pouca influência

As condenações ao governo Kadafi e a indignação pela violência não surtiram efeito, mas isso não surpreende

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Por CARSTEN VOLKERY
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Os políticos ocidentais certamente não pouparam as palavras nos últimos dias. Repetidamente condenaram os brutais ataques lançados pelo Exército líbio e mercenários estrangeiros contra manifestantes em Benghazi e Trípoli. Essa "carnificina inaceitável" tem de acabar, exigiu a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton. Os direitos universais à liberdade de expressão e de reunião aplicam-se também à Líbia, disse ela. O ministro alemão das Relações Exteriores, Guido Westerwelle, repercutiu as declarações de Hillary, dizendo que "se a Líbia continuar usando a violência contra seu povo, as sanções serão inevitáveis". O premiê britânico, David Cameron, que foi o primeiro chefe de governo ocidental a visitar o Cairo após a queda do presidente Hosni Mubarak, também denunciou a violência na Líbia, ao declarar: "Condeno absolutamente o que tenho visto na Líbia, onde o nível de violência por parte do governo contra o povo é totalmente inaceitável". Mas o que o Ocidente pode realmente conseguir? Até agora, a indignação coletiva manifestada por todas as autoridades de governo na Europa e na América do Norte não surtiu efeito. A guerra, nas ruas da Líbia, que o ditador Muamar Kadafi trava contra seu povo, continua.Pessoas que conhecem o regime de Kadafi não estão surpresas: o Ocidente, afinal, tem pouca influência sobre a Líbia. As riquezas obtidas com o petróleo tornaram esse país do Norte da África totalmente independente e as relações diplomáticas há muito tempo são complicadas, particularmente com os Estados Unidos. Enquanto o governo do presidente Barack Obama conseguiu exercer alguma influência junto ao Exército egípcio durante os protestos naquele país, Washington quase não tem contato com Trípoli. Na verdade, a Líbia esteve durante anos na lista americana dos Estados que apoiam o terrorismo. Somente em 2008 é que as relações diplomáticas foram retomadas. "Não mantemos relações pessoais de alto nível. Pelo que sei, o presidente Barack Obama jamais teve uma conversa com o coronel Kadafi", afirmou David Mack, antigo diplomata americano que teve contato com a Líbia, ao jornal The Washington Post. No momento, os Estados Unidos não têm um embaixador no país. O último foi recolhido temporariamente após as revelações de telegramas secretos pelo site WikiLeaks. Não é que isso torne mais difícil avaliar a situação na Líbia, o fato é que informações confiáveis são escassas. E agora, o governo dos Estados Unidos é obrigado a depender de seus aliados europeus para exercer pressão sobre os dirigentes do país. Vários Estados da União Europeia vêm trabalhando com Kadafi, pelo menos como parte de uma cooperação regional regular entre os países do Mediterrâneo. Laços econômicos. Inicialmente, a União Europeia estava dividida quanto à abordagem a adotar. A Itália, em particular, era contra as sanções, pois o governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi não queria colocar em perigo os estreitos laços econômicos mantidos com sua antiga colônia. Além disso, a Itália está preocupada com uma nova onda de refugiados vindos do Norte da África. Kadafi ameaçou abrir as fronteiras se a UE se aliar aos manifestantes. O que é visto como uma ameaça sem fundamento, pois Kadafi já perdeu o controle do país. A União Europeia fala em proibir a família de Kadafi de entrar em qualquer dos 27 países do bloco e congelar os ativos do governo líbio mantidos no exterior. Para o governo alemão, tais medidas poderiam ser decididas sem o apoio da Itália. "Precisamos reconhecer que nem todos querem se expressar da mesma maneira, no momento", disse Westerwelle. "Por isso é muito importante que os demais membros da UE cheguem a um acordo no sentido de uma linguagem clara", acrescentou. No entanto, as sanções talvez não impressionem o ditador. Na ausência de uma posição comum da UE, vários governos europeus estão tentando pressionar por meio de canais bilaterais. O ministro de Relações Exteriores britânico, William Hague, conversou com o filho de Kadafi, Saif al-Islam Kadafi e exigiu o fim da carnificina. O governo britânico é um dos principais contatos da Líbia no Ocidente desde que Tony Blair, na época primeiro-ministro, visitou Kadafi em 2004 - o que eliminou efetivamente a condição de pária do líder líbio. Nos últimos anos, o filho de Kadafi tem sido um importante elo entre os dois governos. Ele possui uma casa em Londres, tem 30 e poucos anos de idade e fez doutorado na London School of Economics (LSE) de 2003 a 2008. Era visto como um amigo do Ocidente e com ideias reformistas e circulava nas altas esferas de Londres. Entre suas relações estão o príncipe Andrew, o representante especial da Grã-Bretanha para Assuntos de Investimento e Comércio, e o ex-ministro da Economia Peter Mandelson. Tony Blair chegou a afirmar que ele era um "amigo da família". Mas Saif al-Islam parece ter se tornado radical na resposta aos protestos. Observadores londrinos não acreditaram no que ouviram quando, num discurso no domingo, ele declarou que a família Kadafi lutaria "até a última bala". A LSE reagiu, dizendo que vai devolver uma grande doação feita pela Fundação Kadafi. O antigo orientador dele na LSE disse que ficou "horrorizado" com o discurso e seu ex-aluno se tornou "o inimigo dos ideais que outrora proclamava". Notícias mais recentes vindas da Líbia indicam que o regime continua adotando a linha dura. O ex-vice-embaixador da Líbia nas Nações Unidas, Ibrahim Dabbashi, exigiu sanções mais rigorosas contra seu país. Insistiu para o Conselho de Segurança da ONU impor uma proibição de voos sobre a Líbia para impedir os ataques aéreos contra os manifestantes e interromper o envio de suprimentos para o Exército. Dabbashi é um dos muitos diplomatas que apoiaram a revolta contra Kadafi. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon conversou durante 40 minutos com Kadafi na segunda-feira e exigiu a suspensão dos ataques contra os manifestantes. Mas foi inútil. A questão agora é por quanto tempo Kadafi conseguirá persistir nessa guerra contra seu povo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINOÉ JORNALISTA

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