Evo Morales tenta 4º mandato na Bolívia

Há quase 14 anos no poder, presidente boliviano desafia Constituição e a decisão de um referendo para disputar mais uma eleição

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Por Luiz Raatz
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A Bolívia realiza neste domingo, 20, eleições gerais para presidente e vice. As urnas foram abertas por volta das 8h (9h em Brasília) e a votação deve ser finalizada por volta das 16h. Até o momento, não houve registro de incidentes, segundo as autoridades.

Evo Morales tenta pela quarta vez eleger-se presidente em um cenário mais desfavorável que em suas vitórias anteriores, em 2005, 2009 e 2014. O boom das commodities do início do século 21 chegou ao fim no começo de seu atual mandato e o cenário geopolítico sul-americano é diferente dos anos em que governos de esquerda eram maioria no continente.

Mãe e filho passam por muro coberto por cartazes de Evo em El Alto, onde as condições de vida melhoraram no governo do presidente boliviano Foto: Jorge Saenz / AP

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A oposição acusa Evo de usar a máquina do Estado a seu favor e encurtar a campanha para dificultar as chances de rivais de seu partido, o Movimento ao Socialismo, na Assembleia Nacional. “Evo tem ido contra as próprias promessas e usado os recursos que pode para tentar superar a oposição”, disse ao Estado o cientista política Roberto Laserna. 

A seu favor, Evo tem os bons números da economia e os indicadores sociais. O país cresceu 5,1%, no ano passado, e a projeção do Fundo Monetário Internacional é de uma expansão da economia de 3,9% este ano. A pobreza caiu de 33% para 15% da população desde que ele assumiu, em 2006. 

O problema é que o motor desse crescimento, a exportação de gás natural, passará por mudanças. A partir do ano que vem, o contrato entre Bolívia e Brasil terá de ser renegociado e a Petrobrás deu sinais de que pretende importar menos combustível do país vizinho. “Na última eleição, estávamos no auge da bonança econômica. Mas agora o contrato de gás com o Brasil está chegando ao fim e precisamos buscar outras soluções para obter recursos”, afirmou Laserna. Em 2006, Evo mandou tropas invadirem uma instalação da Petrobrás para anunciar a chamada nacionalização da exploração do gás e do petróleo no país. 

Evo, de 59 anos, assumiu em janeiro de 2006 como o primeiro mandatário indígena da Bolívia Foto: Manuel Claure / Reuters

Em paralelo, o governo do presidente Jair Bolsonaro já deu indicações de que pretende acabar com o monopólio da Petrobrás na distribuição de gás no Brasil, o que, em tese, abriria o mercado para outras empresas. Com o objetivo de manter boas relações com um vizinho que ocupa o outro lado do espectro ideológico, Evo esteve na posse de Bolsonaro, em janeiro, ao contrário do colega bolivariano Nicolás Maduro. 

Na ocasião, o boliviano destacou que as relações bilaterais estão acima de divergências políticas. Duas semanas depois, ele autorizou a extradição do italiano Cesare Battisti para a Itália, num movimento que agradou ao governo brasileiro. O italiano havia fugido do Brasil.

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“Evo contava com o apoio automático de aliados como Lula, Chávez e os Kirchners. Agora, Evo se relaciona com pessoas que lhe pedem algo em troca ou o pressionam de alguma maneira”, acrescentou o cientista político. “Então, é um contexto desfavorável para ele e seu grupo.”

Neste domingo, depois de votar em Chapare (departamento de Cochabamba), Evo expressou confiança e otimismo. "Acabo de votar, como me corresponde, e aproveito esta oportunidade para convocar o povo boliviano a participar nesta festa democrática", disse.

Problemas internos

No cenário doméstico, Evo enfrenta um momento ruim. Os incêndios na Amazônia boliviana, em agosto, provocaram críticas de ambientalistas na Bolívia, de lideranças indígenas e de líderes da oposição. 

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O presidente se apressou em tomar a frente do combate aos incêndios, aceitando ajuda internacional e envolvendo-se pessoalmente na operação para apagar as chamas. Ambientalistas, no entanto, lembraram que, um mês antes, o presidente ampliou de 5 para 20 hectares o limite máximo para um agricultor limpar suas terras com queimadas – uma prática conhecida como “chaqueo”. 

“O governo reagiu tarde e mal, levou quase duas semanas e não tinha um plano estratégico. Evo Morales colocou sua campanha em primeiro lugar, em vez de governar a Bolívia”, queixou-se Carlos Mesa, maior rival de Morales na corrida presidencial de hoje.

Jornalista e ex-negociador do impasse marítimo entre Chile e Bolívia, Mesa tem a difícil missão de unificar a oposição boliviana e romper a tradicional divisão entre a elite da “meia-lua” – províncias orientais que fazem fronteira com o Brasil e controlam a economia – e os Andes, onde vive a população indígena, base de apoio do presidente. 

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Ao votar neste domingo, Mesa reiterou seus temores. "Não confio na transparência do processo, o Tribunal Supremo Eleitoral demonstrou que é um braço operacional do governo, nossa desconfiança é muito alta", afirmou à imprensa depois depositar seu voto em um bairro da zona sul de La Paz.

Eleição difícil

Evo venceu com facilidade as duas últimas eleições, em 2009 e 2014. As pesquisas sugerem que, desta vez, será mais difícil. Segundo o último levantamento sobre a intenção dos eleitores, Evo teria 32% dos votos. O ex-presidente Mesa teria 27%, o que levaria a um segundo turno inédito desde que o presidente chegou ao poder. O levantamento é da Universidade Nacional San Andrés e da Fundação Jubileo. A maioria das pesquisas, entretanto, ainda considera provável uma vitória em primeiro turno. 

Evo não chegou à universidade e têm grandes problemas para ler um discurso em público Foto: Manuel Claure / Reuters

Se Evo não garantir 50% dos votos válidos, ou 40% dos votos com uma vantagem de 10 pontos porcentuais sobre o segundo colocado, terá de encarar um segundo turno em 15 de dezembro. Neste cenário, os partidos de oposição estariam unidos contra ele. Em relação aos meios de comunicação, Evo adotou leis que pressionaram a imprensa financeiramente, com ameaça de multas de aplicação subjetiva, em vez de adotar uma censura explícita.

Economia

Evo adotou uma abordagem diferente da estratégia de seu aliado Hugo Chávez no manejo da economia. A Bolívia evitou a ocupação de terras em larga escala e nacionalizou apenas 33 empresas – a maioria das quais já havia pertencido ao Estado antes de ser vendida por governos anteriores. Bilhões de dólares foram investidos em projetos de infraestrutura que permitiram erguer novas escolas, transporte de massa e mais de 5 mil quilômetros de novas estradas. 

O progresso é talvez mais visível em La Paz e El Alto, cidades com uma população conjunta de 2,3 milhões. É ali que o avanço econômico deu novas perspectivas à maioria indígena da Bolívia. Em El Alto, localizada a mais de 4 mil metros de altitude, bairros inteiros foram construídos por uma classe ascendente de empreendedores indígenas ou de origem mista. Segundo eles, Evo quebrou as barreiras para os não brancos, com parcerias que lhes permitiram criar as próprias empresas.

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A oposição, no entanto, vê um Evo aferrado ao poder, depois de recorrer à Justiça, em 2017, para disputar um novo mandato, mesmo após ter perdido esse direito em um referendo, em 2016. Ele rejeita as críticas. “Já me chamaram de ditador”, disse. “Mas o que meus opositores não conseguem aceitar é que um indígena seja presidente.”

O que está em jogo

O voto é obrigatório na Bolívia e mais de 7,3 milhões de bolivianos foram convocados para votar nas eleições de hoje em algum dos nove partidos que disputam um mandato de cinco anos. 

Segundo a lei eleitoral da Bolívia, será considerado ganhador em primeiro turno o candidato que obtiver 50% dos votos ou 40% com 10 pontos porcentuais de vantagem. Se nenhum dos candidatos alcançar esses números, será realizado um segundo turno em um prazo de 60 dias, isto é, em 15 de dezembro.

Além de presidente e vice-presidente, serão eleitos 130 deputados, 36 senadores e 9 representantes “supraestatais” – um para cada região do país – que integrarão a Assembleia Legislativa, atualmente controlada em dois terços pelo Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Evo Morales. / COM WASHINGTON POST e AFP

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