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Prisões são vistas com ceticismo

Paquistão é conhecido por apoiar insurgentes e costuma deter militantes para soltá-los depois

Por Roberto Simon
Atualização:

Sob forte pressão internacional, o Paquistão iniciou esforços para desmantelar o grupo acusado de aterrorizar Mumbai, o Lashkar-i-Taiba (Exército dos Puros). Na última semana, Islamabad prendeu dezenas de militantes da organização, entre eles o suposto mentor dos recentes ataques à Índia, Zaki-ur-Rehman Lakhvi, e o fundador do Lashkar-i-Taiba,Hafiz Saeed - hoje chefe da rede de caridade que serve de fachada ao grupo, o Jamat-ud-Dawa. Na quinta-feira, o Jamat foi banido do Paquistão, suas contas bancárias, congeladas e seus escritórios, lacrados. No entanto, a Índia, os EUA e a maioria dos especialistas ainda vêem com cautela a nova política antiterror paquistanesa. "Podemos estar diante de um momento de ruptura real. Mas Islamabad por vezes já prendeu militantes, fazendo muito alarde, para soltá-los dias depois", disse ao Estado o professor da Universidade de Harvard Timothy Shah. "Depois de soltos, os grupos reconstituem-se e apenas trocam de nome." Foi esse o caso do próprio Lashkar-i-Taiba, que, após atacar em 2001 o Parlamento indiano - levando os dois vizinhos nucleares à beira da guerra -, acabou banido do Paquistão. Seus membros, porém, reagruparam-se sob a fachada do Jamat. Segundo Shah, a explicação para o contínuo apoio paquistanês a grupos insurgentes em seu território está na doutrina estratégica adotada há décadas pelo establishment militar do Paquistão. À sombra da potência indiana, o Paquistão financiou, treinou e até mesmo criou organizações paralelas ao Estado para lutar contra a Índia, sobretudo na Caxemira. A tradução do pensamento geopolítico na prática foi o apoio ao Lashkar-i-Taiba, juntamente com outros grupos como o Jaish-i-Mohammed, que passaram a atuar efetivamente no fim dos anos 80 na fronteira com a Índia. A mesma lógica foi aplicada na fronteira leste do país, com o Afeganistão, dessa vez, porém, para garantir governos aliados em Cabul. O Taleban foi apoiado primeiro para derrotar os soviéticos, no fim da década de 70, e, depois, para assegurar a influência paquistanesa sobre o Afeganistão. Só o Paquistão e a Arábia Saudita reconheciam o governo Taleban, deposto pela invasão liderada pelos EUA em 2001. Hoje, o premiê afegão, Hamid Karzai, é tido em Islamabad como aliado da Índia, fato que, segundo analistas, explicaria o suposto apoio de alguns militares paquistaneses ao Taleban. INTELIGÊNCIA O braço do Estado responsável por fomentar a parceria com grupos insurgentes foi a agência de inteligência paquistanesa, o ISI. Assim, especialistas concordam que só uma alteração drástica nos métodos e objetivos da agência pode significar uma ruptura real na relação com militantes na região. "O ISI é um organismo militar e não pode ser visto como algo à parte das Forças Armadas do Paquistão", explica Gareth Price, pesquisador do Instituto Real de Assuntos Internacionais de Londres. "Há militares que vêem o Exército como a única instituição real do Paquistão, capaz de assegurar a integridade do Estado e de garantir sua independência em relação à Índia", afirma. "O ISI representou por anos esse pensamento e não sabemos se ele mudou." O controle do governo sobre sua própria agência de inteligência é motivo de polêmica. Em julho, tentou-se submeter o ISI ao Ministério do Interior. No entanto, a decisão foi misteriosamente revertida em questão de horas. Um dia após os atentados em Mumbai, o presidente Asif Ali Zardari anunciou que enviaria o chefe da organização de espionagem para a Índia a fim de auxiliar nas investigações. A decisão também foi engavetada. Além da cumplicidade de partes do Estado com a insurgência, há outras agravantes do terror na região. Um deles é a mudança da agenda de parte dos grupos extremistas, como o Lashkar-i-Taiba, "que começaram atuando na Caxemira mas, há cerca de sete anos, passaram a adotar objetivos mais abrangentes, que incluem a libertação de muçulmanos em todo o sul da Ásia", afirma Shah. A evolução em direção ao jihadismo internacional acabou por aproximá-los de redes terroristas como a Al-Qaeda. Outra dificuldade é a proliferação de grupos com objetivos paralelos ao Estado. Há desde movimentos separatistas, como o Exército de Libertação do Baluquistão, até grupos sunitas que atacam comunidades xiitas, como o Sipah-i-Sahaba.

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