Procuradora-geral venezuelana se torna voz dissonante do chavismo

Luisa Ortega Díaz, antes criticada pela oposição por defender o governo, passou a ser uma das principais críticas ao presidente Nicolás Maduro, questionando a repressão a manifestações e a convocação de uma Assembleia Constituinte

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Por Redação
Atualização:

CARACAS - Antes questionada pela oposição e criticada por "assegurar" decisões do governo da Venezuela, a procuradora-geral do país, Luisa Ortega Díaz, se transformou em uma voz dissonante no até agora monolítico bloco chavista.

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Em quase dois meses de protestos opositores, a procuradoria passou a ser tanto a entidade que acompanha de perto os eventos para informar sobre as mortes registradas nas manifestações e conduzir sua investigação como a que critica a Assembleia Constituinte proposta pelo presidente Nicolás Maduro.

No último dia 19 de maio, meios de comunicação locais divulgaram uma carta na qual Ortega advertiu ao chefe da comissão presidencial para o processo constituinte, o ministro da Educação, Elías Jaua, que mudar a Constituição "aceleraria a crise" no país.

As críticas ao governo Maduro feitas pela procuradora-geral da Venezuela, Luisa Ortega Díaz, sacodem as bases do chavismo Foto: EFE/Cristian Hernández

Luisa Ortega também defendeu a Carta Magna aprovada em 1999 durante o governo do presidente Hugo Chávez, morto em 2013, e a qualificou como "não melhorável" e "uma das mais modernas do mundo em direitos humanos, democracia e participação popular".

O pronunciamento foi aplaudido pela oposição enquanto o chavismo lhe subtraiu importância e Jaua inclusive assegurou que essa opinião foi encarada como "uma mais das muitas" que receberam.

Com a carta, Ortega "se afasta da Revolução Bolivariana e objetivamente se coloca ao lado do imperialismo, da burguesia parasitária e demais setores que buscam provocar um golpe de Estado, uma intervenção militar estrangeira, ou uma combinação de ambas", opinou o catedrático Eduardo Piñate em uma coluna publicada no site do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

Um dos mais poderosos dirigentes do chavismo, Diosdado Cabello, também chamou a procuradora-geral de "traidora", durante seu programa de TV, e o deputado governista Pedro Carreño declarou que "dá pena" ver Luisa Ortega.

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Por outro lado, a procuradora-geral recebeu o respaldo dos magistrados Marisela Godoy e Danilo Mojica Monsalvo, do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ). "Devo indicar que, da mesma forma que apontou a procuradora-geral da República, a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte não é a solução para a crise que assola o país", afirmou Monsalvo, enquanto Marisela alertou que uma Constituinte nesses termos vai trazer como consequência "mais sangue".

Segundo o cientista político Nicmer Evans, Luisa Ortega terminou sua lua de mel com o governo Maduro no final de 2016, ao se manter como uma chavista "digna e democrática diante das pretensões totalitárias" do atual governo.

Nova crise. Quando o chavismo assimilava o terremoto político gerado pela carta, Luisa Ortega se pronunciou na quarta-feira em uma entrevista coletiva sobre a onda de manifestações no país, e alertou, entre outras coisas, que há 500 feridos "pelo uso da força dos corpos de segurança do Estado".

Além disso, se referiu ao caso de Juan Pablo Pernalete, um jovem de 20 anos que morreu no último dia 26 de abril em um protesto em Caracas, fato pelo qual a oposição responsabiliza a força pública, enquanto o governo o atribuiu ao impacto de "uma arma não convencional" usada pelos próprios opositores.

"A morte do estudante aconteceu por um choque cardiogênico por traumatismo fechado de tórax", afirmou a procuradora-geral em uma entrevista coletiva na qual mostrou um cartucho metálico de uma bomba de gás lacrimogêneo, similar às usadas para o controle de protestos.

Ela também criticou o uso "excessivo da repressão" nas manifestações e pediu "a identificação das causas da confrontação entre os venezuelanos", que considerou que "não se resolve privando as pessoas da liberdade".

Estas palavras foram respondidas horas depois pelo ministro de Interior e Justiça, Néstor Reverol, que declarou que a "inação" da procuradoria perante os protestos propicia um "clima de impunidade".

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Para o coordenador geral do Programa Venezuelano de Educação-Ação em Direitos Humanos (Provea), Rafael Uscátegui, a procuradoria vive um "processo de reinstitucionalização". "Luisa Ortega representa a face visível do descontentamento tanto chavista como madurista contra Maduro", disse Uscátegui.

Lilian Tintori, mulher do dirigente opositor Leopoldo López, que está preso desde 2014, considerou que desde que os venezuelanos começaram a protestar, no último dia 1º de abril, perceberam como foram "conseguindo o resgate da democracia".

"E conseguir o resgate da democracia é ver como uma instituição que não agia de forma autônoma se desdobrar, se afastar do regime e agir institucionalmente", comentou Tintori em declarações à emissora de televisão privada "Globovisión", comemorando o fato que Luisa Ortega "passou para o lado certo". 

Luisa Ortega se tornou a heroína da oposição e no Twitter, Freddy Guevara, vice-presidente do Parlamento, qualificou sua declaração de "histórica".

Chavista confessa. Maduro não pode destituir Ortega, no cargo desde 2007. A Assembleia Nacional - então controlada pelo chavismo - a reelegeu em 2014 para um mandato que será concluído em 2021.

"Peço desculpas à revolução por ter designado Luisa Ortega Díaz como procuradora-geral (...). Fui um dos que defendeu isto e convenci os companheiros", disse na quinta-feira Cabello, que presidia o Parlamento quando ocorreu a nomeação.

Luisa Ortega esteve ligada a Hugo Chávez desde sua campanha presidencial de 1998, quando trabalhava em um escritório de advocacia do Estado de Aragua. Em 2002, quando Chávez enfrentou um golpe de Estado, entrou para o Ministério Público para apoiar o presidente. 

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Ela é casada com o deputado chavista Germán Ferrer, que integrou as Juventudes do Partido Comunista e participou da guerrilha urbana contra Rómulo Betancourt, primeiro presidente da etapa democrática no período 1959-64. / EFE e AFP

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