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Proibido comer alguns animais selvagens

No imbróglio dos regulamentos, já não se compreende mais nada

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

O surgimento do coronavírus reduziu violentamente a venda e o comércio, visível ou clandestino, de alguns animais selvagens na China. O assunto é grave. E levou a Assembleia do Povo, na China, a votar em fevereiro a suspensão total do comércio ilegal e o consumo da fauna selvagem, suspeita de ter contribuído para a pandemia.

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Eu li artigos traduzidos do chinês que apareceram na China sobre essa importante decisão. A leitura é difícil porque muitos animais que lá existem são desconhecidos na Europa. Antes de entrar nesse tema obscuro, gostaria de citar um texto do genial Jorge Luis Borges. O texto, explica Borges, é atribuído ao doutor Franz Kuhn na enciclopédia chinesa: “O mercado celeste dos conhecimentos benévolos”.

Suspeito que essa obra soberba não é de Kuhn, mas de Borges, porque nele encontramos a sua marca, a malícia, o gosto da farsa, a vertiginosa sutileza. Claro que esta digressão para Borges vai consumir metade deste artigo, mas como lutar contra um tal atleta literário?

Policial monta guarda nas proximidades de um mercado de frutos do mar fechado em Wuhan, na China Foto: Stringer/Reuters

Portanto, eis a longa citação de Borges:

Os animais assim se dividem:

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- Os pertencentes ao Imperador

- Embalsamados

- Domésticos

- Porcos de leite

- Sereias

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- Os de fábula

- Os incluídos na presente lista

- Os que se agitam como loucos

- Os inumeráveis

- Os desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo.

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- Etc.

- Os que acabam de quebrar o jarro

- Os que, de longe, parecem moscas

O jornal de Cantão, Nanfang Zhouma, forneceu conselhos úteis. Por exemplo, afirmou que “Hoje é proibido comer codornizes e pombos de criação. Quanto à serpente e o sapo espinhoso gigante, seu consumo foi suspenso”.

O jornal examina em seguida o caos econômico decorrente da proibição de se comer certos animais. “O uso de animais em cativeiro para fins alimentares aumentou muito desde alguns anos. Hoje ele ajuda milhões de pessoas a sobreviverem”.

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Um tanto desconcertado, o jornal reconhece que, no imbróglio dos regulamentos, já não se compreende mais nada. O porco, o boi, o carneiro, o frango, o pato, o ganso, podem ser comidos. E o cervo Sidka? Claro que sim. Em compensação, os chineses destacaram dois esquecidos: os pombos e as codornas, e também os coelhos, não foram anotados como animais que podem ser consumidos, apenas o coelho amarelo de Fujian e o branco de Sichuan. 

Entre os animais proibidos para consumo, foram listados o pato de Pequim e o carneiro Han, de cauda curta, decisão que os especialistas consideram não ter fundamento, mas a resposta é de que se trata de proteger estas espécies.

O texto oficial se refere ainda aos animais aquáticos. Pode-se comer todos os que são criados em cativeiro, as tartarugas, entre elas a de carcaça mole, os esturjões, as salamandras gigantes e os crocodilos. Mas essas mesmas espécies não devem ser ingeridas se forem selvagens.

Mais recentemente os jornais chineses retornaram ao assunto depois da votação na Assembleia Nacional do Povo. A municipalidade de Shenzhen publicou uma nova lista de animais próprios para consumo. Aí encontramos o infeliz boi e os amáveis porcos. Mas nos alegramos ao ver que foi proibido totalmente o consumo de cães e gatos de companhia.

Um debate intenso e amargo invadiu os jornais chineses: “Por que não podemos criar sapos espinhosos gigantes se temos o direito de criar o sapo-boi?”, questionou um leitor. E é verdade. Qual a razão? / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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