Prós e contras da quebra do registro para a economia global; leia análise  

Retomada da economia americana, após a vacinação em massa, está sendo freada pela quebra de cadeias global; à medida que os americanos voltaram à atividade e desejam consumir, a produção ainda depende de insumos que não estão à disposição

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Por Vladimir Kühl Teles
Atualização:

O apoio dos EUA à proposta da Índia e da África do Sul na Organização Mundial do Comércio (OMC) para a renúncia a diferentes direitos de proteção intelectual, entre eles as patentes das vacinas, visa permitir um aumento da produção e da competição nesse mercado, reduzindo seu preço. Se isso ocorrer, teríamos um término mais breve do período de pandemia pelo mundo.

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Porém, uma vez que os EUA já vacinaram uma proporção expressiva de sua população, e já tem garantidas as doses para vacinar toda a sua população em poucos meses, porque se importam tanto com os demais países a ponto de impor perdas substanciais à sua indústria farmacêutica? A explicação passa pelos potenciais ganhos indiretos que sua economia teria.

A retomada da economia americana, após a vacinação em massa, está sendo freada pela quebra de cadeias global. À medida que os americanos voltaram à atividade e desejam consumir, a produção ainda depende de insumos que não estão à disposição. É como se a economia estivesse sofrendo de um choque de oferta negativo que produz uma pressão inflacionária e recessiva sobre os EUA.

EUA já aplicaram primeira dose da vacina contra Covid-19 em mais da metade da população adulta. Foto: Kevin Lamarque/Reuters

A quebra de patentes, ao promover a vacinação nos demais países de forma mais breve, poderia acelerar a retomada de crescimento da economia mundial uma vez que os países não precisariam mais impor medidas restritivas à mobilidade, consumo e trabalho aos seus cidadãos. Com isso, as restrições à retomada do crescimento da economia americana seriam amenizadas.

No Brasil, o efeito da quebra de cadeias global também é sentido. Nesse sentido, a fatia das empresas que apontou escassez de matérias-primas em abril na sondagem da FGV-Ibre atingiu 25%, o maior valor já observado na série histórica. Ao mesmo tempo, ao se realizar um exercício de decomposição da inflação, observamos que a queda de estoques tem sido o maior responsável pela pressão inflacionária recente, mesmo diante de elevado hiato do produto e baixa nas expectativas de inflação.

Assim, o Brasil tem seu crescimento potencial limitado nesse ano pelo mesmo choque negativo de oferta que os demais países se deparam. Logo, a quebra das patentes de vacinação poderia favorecer a economia do país duplamente, ao acelerar a vacinação, reduzindo o risco de prolongamento das medidas de restrição à mobilidade, bem como ao reduzir o problema das quebras de cadeia globais.

Infelizmente, porém, nem todos os efeitos esperados são positivos. As consequências de longo-prazo podem ser temerárias. Assim como amplamente documentado na literatura acadêmica o investimento em pesquisa e inovação das empresas depende fortemente do ganho esperado com o novo bem produzido, o que depende da preservação de patentes.

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Tal afirmação é especialmente relevante para o setor farmacêutico, conforme demonstrado pelos professores Daron Acemoglu, do MIT, e Joshua Linn, da Universidade de Maryland. A indústria farmacêutica é a que mais investe em pesquisa e inovação do mundo, e o direcionamento de sua pesquisa é fortemente determinado pelo tamanho de mercado e pelo preço potencial a ser obtido.

Não é à toa, portanto, que vacinas tenham sido desenvolvidas tão rapidamente para a covid-19, uma vez que o tamanho de mercado é toda a população do planeta e que os governos estão dispostos a pagarem o que for preciso para a sua compra.

A quebra de patentes pode gerar uma perda de ganho esperado de novas inovações, reduzindo os gastos em pesquisa no setor quando enfrentarmos novas pandemias, o que parece não ser um evento não mais tão improvável, infelizmente.

*Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), na Escola de Economia de São Paulo (EESP) e ex-Secretário Adjunto de Política Econômica. Este artigo expressa opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV

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