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Protestos contra declarações do papa ganham força

Novos ataques a igrejas foram registrados na Cisjordânia; líderes muçulmanos voltaram a pedir retratação pessoal do pontífice

Por Agencia Estado
Atualização:

Os ataques a templos cristãos e manifestações em países de maioria muçulmana continuaram neste sábado, ampliando as preocupações de que a crise gerada em torno de declarações do papa Bento XVI sobre o islamismo repita os protestos violentos que se seguiram à publicação de caricaturas do Profeta Maomé no início do ano. Após um dia de demonstrações contra as palavras de Joseph Ratzinger, que em um discurso na terça-feira citou um texto medieval que caracterizava alguns ensinamentos de Maomé como "maus e desumanos", uma nova onda de protestos foi registrada, com ataques a igrejas, manifestações e pedidos de líderes muçulmanos para que o pontífice se retrate. Na cidade de Nablus, na Cisjordânia, várias bombas incendiárias foram lançadas contra duas igrejas neste sábado. O grupo que assumiu a autoria do ataque o classificou como um protesto contra as palavras do papa. Nenhuma das bombas causou danos materiais mais graves do que manchas de queimado em paredes e janelas. Para especialistas ouvidos pela AP, o discurso de Bento XVI pode ser interpretada como um sinal de que o Vaticano busca assumir uma postura mais rígida diante do fundamentalismo islâmico. Ainda assim, funcionários da Santa Sé insistiram ao longo da sexta-feira que o papa não queria ser ofensivo, e que seu objetivo era apenas mostrar as incompatibilidades entre fé e guerra. Neste sábado, o rei Muhammad IV, do Marrocos, decidiu convocar seu embaixador no Vaticano para consultas porque considerou as declarações do papa "ofensivas", segundo informou o Ministério de Assuntos Exteriores marroquino. A agência oficial "MAP" disse que Muhammad IV dirigiu ao papa uma "mensagem escrita" com "reação de protesto". Retratação Em declarações neste sábado, no entanto, líderes muçulmanos voltaram a pedir uma retratação pessoal do pontífice. No Iraque, país em que uma onda de violência sectária já deixou milhares de mortos, árabes sunitas e xiitas uniram-se para criticar as palavras de Bento XVI. Para representantes do maior partido sunita, as críticas ao mundo islâmico podem levar a um acirramento nas confrontações entre muçulmanos e cristãos. "O mundo precisa hoje que todas as religiões cooperem para acalmar o fenômeno da violência", posicionou-se o Partido Islâmico Sunita do Iraque em uma declaração divulgada neste sábado. O Conselho Supremo Xiita, o maior partido desta facção do islamismo no Iraque, também requisitou um pedido de desculpas do pontífice. "Nós veementemente denunciamos esses comentários e pedimos que o papa apresente desculpas claras sobre o que ele disse em relação ao Islã", pronunciou-se o partido, também por meio de uma nota oficial. Na Turquia - país de onde surgiram as primeiras críticas contra Bento XVI - o primeiro-ministro pró-secularismo, Recep Tayyip Erdogan, colocou em dúvida a realização de uma visita do papa ao país planejada para novembro. A viagem seria a primeira passagem de Ratzinger a um país de maioria muçulmana. Na sexta-feira, o partido do governo turco comparou o papa a Hitler e Mussolini. Erdogan também demandou um pedido de desculpas do pontífice: "Eu acho que ele deveria retirar as feias e inoportunas declarações que fez e pedir desculpas ao mundo islâmico e aos muçulmanos." "O papa falou não como um homem de religião, mas como um político qualquer", disse. "Espero que ele corrija esse erro imediatamente e evite a criação de uma sombra sobre os esforços para desenvolver o diálogo entre as diferentes fés." Para o primeiro-ministro da Malásia e atual presidente da Organização da Conferência Islâmica (grupo que reúne 56 países), Bento XVI deve refletir sobre as reações causadas por seu discurso. "O papa não deve ignorar a onda de ultraje recém criada", disse o premier Abdullah Ahmad Badawi. Para ele, os comentários irão atrapalhar o histórico de boas relações entre o islamismo e o catolicismo. Já o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Ali Hosseini, classificou as declarações do papa como "um grande erro" que "contradiz sua própria liderança à frente de uma religião divina". Maior nação muçulmana Na Indonésia, cerca de mil muçulmanos participaram de um ato em frente a Embaixada Palestina em Jacarta em apoio ao povo palestino e entoando críticas ao papa, informou a agência de notícias Reuters. O país é a nação muçulmana mais populosa do planeta, com 85% dos seus 220 milhões de habitantes seguindo a religião. "Apenas os muçulmanos entendem o que é a jihad", disse um dos organizadores da manifestação, em referência às críticas feitas pelo papa contra o conceito de "guerra santa". "A jihad não deve ser associada à violência; nós, muçulmanos, não temos caráter violento", prosseguiu, segundo a Reuters. As declarações do papa que estão por trás desta crise remetem a uma conversação entre o imperador bizantino Manuel Paleólogos II e um clérigo persa, ocorrida no século 14. Em uma aula magna numa universidade alemã na terça-feira, o papa citou as palavras do imperador cristão a seu interlocutor muçulmano: "Mostre-me tudo o que Maomé trouxe de novidade, e encontrarás apenas coisas más e desumanas, como sua ordem de espalhar com a espada a fé que ele pregava". O papa alemão disse e repetiu que apenas citava palavras que não eram suas, e acrescentou que a violência é "incompatível com a natureza de Deus e da alma". Segundo o Vaticano, o papa está "extremamente triste que partes de seu discurso tenham soado ofensivas para a sensibilidade dos muçulmanos e foram interpretadas de uma maneira que não corresponde de forma alguma a suas intenções". Matéria alterada às 15h10 para acréscimo de informações

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