HARARE, ZIMBÁBUE - A frágil paz que vigorou no Zimbábue depois da queda de Robert Mugabe, em novembro, chegou ao fim nesta quarta-feira, dia 1º. Dois dias depois da primeira eleição no país sem a presença do ex-ditador, forças do governo abriram fogo contra manifestantes de oposição na capital, Harare, deixando ao menos três mortos. O conflito começou quando partidários do opositor Movimento pela Mudança Democrática (MDC) se juntaram para reclamar da demora na divulgação dos resultados da votação, que ocorreu na segunda-feira, 30 de julho.
O surto de violência ameaça o processo eleitoral, visto por muitos como um marco importante para o Zimbábue, uma chance para o país emergir de décadas de isolamento, após 37 anos do governo autoritário de Mugabe. O processo eleitoral parecia ocorrer sem problemas e era elogiado por observadores internacionais.
#InZimHarare ... Shots fired from ZANU PF head quarters @eNCA#ZimElections2018 pic.twitter.com/h6qTFSxgii — Aldrin Sampear (@AldrinSampear) 1 de agosto de 2018
Crédito: eNCA via Storyful
Uma proeminente observadora eleitoral, a ex-presidente liberiana Ellen Johnson Sirleaf, alertou que o atraso no anúncio dos resultados poderia alimentar “suspeitas, tensões e volatilidade”. “Quanto mais a votação presidencial é adiada, menor a confiança da população no processo eleitoral”, disse ela.
Os protestos começaram logo depois do anúncio da vitória do partido governista nas eleições legislativas. A União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica ZANU-PF, ex-partido de Mugabe e do atual presidente, Emmerson Mnangagwa, conquistou a maioria dos assentos no Parlamento. Ficará com 109 cadeiras, contra 41 do MDC, do total de 210.
Segundo os manifestantes, a rapidez na divulgação dos resultados para o Legislativo contrasta com a demora na apuração do pleito presidencial e seria mais um sinal da tentativa do partido do governo de fraudar a eleição. O candidato do MDC, Nelson Chamisa, disse na terça-feira que havia ganhado a disputa.
Apesar de a corrida presidencial ter envolvido 23 candidatos, a disputa principal foi entre o opositor Chamisa, um advogado e pastor de 40 anos, e o governista Mnangagwa, de 75 anos, assessor de Mugabe por quase 30 anos e principal articulador do golpe militar que forçou o ex-ditador a renunciar, em novembro passado, permitindo que Mnangagwa chegasse ao poder.
Ontem, em meio a uma forte presença policial nas ruas de Harare, a atmosfera tensa se transformou em violência. Armados com varas de metal e pedras, grupos percorreram o centro da capital destruindo de semáforos a fachadas de bancos e lojas. A polícia disparou tiros de advertência, canhões de água e gás lacrimogêneo na tentativa de dispersar as multidões.
egundo o jornal Washington Post, que acompanha a eleição em Harare, o exército chegou cerca de uma hora depois do começo do conflito e transformou a cidade em uma zona de guerra, disparando munição real contra uma multidão reunida em frente à sede do MDC. Dezenas ficaram feridos.
Em declaração divulgada pela mídia estatal, Mnangagwa disse que a oposição é a responsável pelo caos “que deve atrapalhar o processo eleitoral”. Logo depois da eleição, Chamisa reclamou que muitos de seus partidários foram impedidos de votar. O MDC se disse “chocado” com o que aconteceu em Harare. “Estamos seriamente querendo saber o que isso significa. Estamos em guerra?”, questionou Tendai Biti, porta-voz do MDC.
Estados Unidos e UE têm sido claros ao dizer que uma eleição confiável é a principal condição para que sejam retiradas as sanções contra vários funcionários da era Mugabe e seus familiares, bem como para apoiar o país na Fundo Monetário Internacional (FMI).
Tais esperanças podem ser ameaçadas caso os defensores do MDC sintam que a votação foi prejudicada por abusos e irregularidades, como frequentemente acontecia no governo Mugabe. "Ficarei aqui até que Chamisa seja presidente", disse Amandishe Muzhinji, que voltou da Suazilândia, onde trabalha como migrante, para votar. "Não vou permitir que meu voto seja roubado", declarou./ AFP, AP e W.POST