Próximo passo cabe à guerrilha, dizem analistas

Resultado das urnas, porém, também mostra que quase metade dos colombianos defende punição aos guerrilheiros

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Por BOGOTÁ
Atualização:

Com a reeleição de Juan Manuel Santos para a presidência da Colômbia, no domingo, a "bola" das negociações de paz passou para o campo das guerrilhas. No entanto, até ontem nem as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) nem o Exército de Libertação Nacional (ELN) fizeram declarações sobre o resultado das urnas. Com 50,9% dos votos válidos, Santos obteve o aval necessário para prosseguir com as conversações. No entanto, a eleição também deixou claro que quase a metade do país prefere que os guerrilheiros sejam punidos e tenham seu acesso à política bloqueado.Essa segunda metade dos colombianos já começou ontem a vociferar por meio do ex-presidente Álvaro Uribe, senador e padrinho do candidato derrotado por Santos, Óscar Iván Zuluaga. Uribe questionou a legitimidade da eleição. Segundo Fernando Cepeda, ex-ministro da Colômbia, as negociações que estão sendo realizadas com as Farc, em Havana, Cuba, se tornarão mais difíceis a partir de agora em razão da nova e explícita pressão em favor da "paz condicionada".As visões sobre em que ponto estão as negociações e o quão difícil será concluí-las divergem conforme o espectro político que é consultado. O conservador Cepeda não vê acordo em nada do que já foi discutido em Havana. Conforme explicou, dois tópicos nevrálgicos da negociação - as questões do desenvolvimento rural e a participação dos guerrilheiros na vida pública - ficaram para a etapa final das negociações.O acordo sobre o fim da produção de drogas pela guerrilha foi celebrado em meio ao ambiente de disputa eleitoral e, em sua opinião, não há clareza sobre sua efetividade. Sobre o reconhecimento das vítimas pelas Farc, sete dias antes do segundo turno, Cepeda diz ser apenas uma "postulação". Ainda não está claro, por exemplo, como os representantes das vítimas serão incorporados à negociação.O analista político León Valencia, ex-guerrilheiro do M-19, está mais otimista. Para ele, a eleição foi um referendo em favor de Santos e da negociação e "contra as forças de Uribe". O presidente reeleito teria maioria suficiente no Congresso para levar adiante o processo de paz, já que ao histórico apoio de uma parcela conservadora foi somado o apoio de partidos de esquerda no segundo turno. Cepeda não vê essa facilidade.Ao contrário do ex-ministro, Valencia garante que o tópico da participação política dos líderes das Farc já está acertado pelo governo, assim como o fim do cultivo ilícito de coca e a questão das terras de pequenos agricultores e indígenas. O governo e a guerrilha já poderiam retomar as conversas sobre a indenização das vítimas, o desarmamento, desmobilização das milícias e a montagem do instrumento jurídico que permitirá a adoção de um acordo no marco legal do país. Sua expectativa é que esses temas estejam resolvidos até o fim do ano."A terceira fase, que deve começar em 2015, será a mais difícil. Será o período da adoção do acordo e das reformas necessárias para sustentá-lo", afirmou Valencia. "Para as Farc e o ELN, Santos é um inimigo com quem podem negociar."Rotina. Cepeda concorda com essa última frase de Valencia. Todos os ministros e presidentes envolvidos com processos de paz nos últimos 40 anos tiveram contato direto com os líderes das guerrilhas, explicou ele. O ex-presidente Andrés Pastrana conversou longamente com o ex-comandante das Farc, Manuel Marulanda, morto em 2008. Santos não teria sido exceção. "Tínhamos telefone vermelho com as guerrilhas", afirmou Cepeda, ao lembrar que já foram assinados mais de 12 acordos de paz desde o fim dos anos 80, entre os quais três com o ELN.Ambos os analistas também consideram essencial, neste momento, uma resposta das Farc e do ELN. A bola está no campo das guerrilhas, repetiram eles. No entanto, eles também vêm na longa convivência, mesmo brutalmente conflituosa, um obstáculo para a negociação. "Na Colômbia há um modus vivendi entre as guerrilhas, os governos, as empresas e a sociedade. Não é como na Síria. Negociação de paz, aqui, é uma rotina", disse Cepeda. D.C.M.

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