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Putin usa eleição legislativa para legitimar seu poder na Rússia

Impedido de candidatar-se a nova reeleição, presidente concorre à cadeira de deputado para tornar-se primeiro-ministro

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Por Cristiano Dias
Atualização:

Os 109 milhões de russos que forem às urnas hoje podem escolher entre mais de 4 mil candidatos, mas a eleição parlamentar é, no fundo, palco para um único protagonista: o presidente do país, Vladimir Putin. De acordo com pesquisas, dois terços das 450 cadeiras da Duma (Câmara Baixa) ficarão com o partido de Putin, a Rússia Unida. Impedido pela Constituição de concorrer a um terceiro mandato, Putin disse que respeitaria a lei, mas prometeu continuar mandando no país. E resolveu fazer tudo dentro da lei. Com um golpe de mestre, anunciou que vai apoiar um candidato de sua confiança na eleição presidencial - marcada para 2 de março de 2008 - e se lançou candidato a uma cadeira de deputado na Duma. Como encabeça a lista do partido Rússia Unida, Putin deve ser o próximo primeiro-ministro do país. A posição é privilegiada. Em caso de renúncia do presidente, a Constituição prevê que o premiê assuma, o que daria a Putin um mandato novinho em folha. Com seus 67% de popularidade e um sucessor fraco, ainda que não reassuma oficialmente a chefia do país, Putin poderia manipular a política russa dos bastidores como se fosse um superpremiê. "O centro de poder vai se deslocar do Kremlin para a Rússia Unida, comandada por Putin", disse ao Estado, por telefone, a socióloga Olga Krychtanovskaia , diretora do Centro de Estudos da Elite, da Academia de Ciências da Rússia. A jogada de Putin, entretanto, é arriscada. A Constituição garante amplos poderes ao presidente, que é quem dita os rumos da política externa, possui os códigos nucleares e nomeia os ministros da Defesa, Interior e o chefe do serviço secreto. Como lealdade, na maioria das vezes, é um princípio pouco valorizado na política local, o plano de Putin não é infalível. O próprio presidente deu o exemplo de como puxar o tapete do comandante. Em 1997, o então presidente Boris Yeltsin nomeou o desconhecido Putin, um ex-espião da KGB, para a chefia-geral do gabinete da presidência. Habilmente, Putin escutou o chefe durante os dois anos seguintes, e ganhou o poder de bandeja em 2000, quando Yeltsin decidiu se aposentar. Putin pegou um país em frangalhos. Em 1998, a economia encolheu 5% e, no ano seguinte, a inflação atingiu 127%. A política externa da Rússia era um desastre. O país assistiu de joelhos a Otan demolir sua zona de influência, incorporar a República Checa, Hungria e Polônia, e castigar a Iugoslávia, antiga aliada do Kremlin, com um bombardeio de 79 dias. A alta nos preços dos hidrocarbonetos - a Rússia é a maior produtora de gás e petróleo do mundo - abriu caminho para que Putin retomasse a retórica nacionalistas dos tempos soviéticos e recuperasse o status perdido de potência mundial. Em oito anos, o PIB russo cresceu sete vezes. Passou de US$ 180 bilhões, em 1999, para US$ 1,3 trilhão, estimado para 2007. Com dinheiro em caixa, Putin resgatou o prestígio das Forças Armadas e desafiou os EUA em várias frentes, surrupiando o discurso da velha guarda nacionalista. O Partido Liberal Democrático da Rússia (PLDR), do boquirroto Vladimir Jirinovski, por exemplo, foi um dos mais afetados. Jirinovski ganhou fama por defender que o Alasca é russo e por chamar a rainha Elizabeth II da Inglaterra de bandida. Adorado pelos russos que sentem saudades da União Soviética, o partido de Jirinovski tem 36 deputados na Duma, mas pode ficar sem nenhum. Isso porque pela nova cláusula de barreira só entra no Parlamento quem tiver mais de 7% dos votos, exatamente a votação do PLDR, segundo as pesquisas. Para ganhar votos, Jirinovski incluiu em setembro Andrei Lugovoi, acusado de assassinar o ex-espião russo Alexander Litvinenko, como número dois na lista do partido. "O problema de Jirinovski é que os eleitores perceberam que não precisam mais dele, já que encontraram no presidente alguém com a mesma retórica nacionalista", disse Leonid Sedov, pesquisador do Centro Levada, de Moscou. "Putin é igual a Jirinovski, só que menos engraçado." Além da Rússia Unida e do PLDR, o único partido que deve superar a barreira dos 7% é o Partido Comunista, de Guennadi Zyuganov, que deve ser a única voz de oposição a Putin na Duma. Na verdade, uma oposição incomum porque para eles, os comunistas, o presidente é um sujeito moderado demais. Herdeiros do antigo PC soviético, os comunistas ainda decoram os comitês de campanha com fotografias de Lenin e defendem uma maior participação do Estado na economia. Quando não consegue dobrar os adversários na lábia, Putin recorre a outros mecanismos de inspiração não menos soviética. Em outubro, o jornal britânico Guardian descobriu documentos de governos regionais que obrigaram estudantes e funcionários públicos a engrossar passeatas pró-Putin em seis regiões da Rússia. Empregados de empresas estatais também se queixam de pressão dos patrões para que votem no partido do governo. Além disso, o Kremlin monopoliza os meios de comunicação, que abrem espaço apenas para os camaradas de Putin. A propaganda é tão massacrante que, apesar de a Rússia Unida recusar-se a participar de debates, uma pesquisa recente mostrou que 8% dos russos juram ter visto os candidatos de Putin debatendo na TV. Outra estratégia para manter os adversários fora da Duma incluem o aumentou da cláusula de barreira de 5% para 7% e a proibição de partidos pequenos formarem coalizões, o que inviabilizou a eleição de candidatos nanicos. O Kremlin também decide quem pode concorrer nas eleições e controla os registros eleitorais, dificultando a vida dos partidos de oposição. Quando artimanhas jurídicas não resolvem, Putin não fica encabulado de usar um velho recurso: a força. Durante a campanha, manifestações contra o governo foram duramente reprimidas. O ex-campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, líder do partido Outra Rússia - um dos que não conseguiu registro nas eleições de hoje- foi preso por cinco dias na semana passada durante protesto contra Putin.

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