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Quando o ladrão roubou o ladrão

Por Mark Medish
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Vladimir Putin prevê estar na Polônia em 1º de setembro, pelo 70º aniversário da deflagração da 2ª Guerra, e sua visita poderá contribuir para reduzir as novas tensões a respeito da conturbada história da Europa.Como observou o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, a presença de seu colega russo em Gdansk "constituirá um avanço em nossa reavaliação dos eventos históricos". Há 70 anos, enquanto a Alemanha nazista invadia a Polônia, W.H. Auden escrevia que se sentia "incerto e temeroso ao se esvaírem as brilhantes esperanças de uma década de baixezas e desonestidades". O mergulho da Europa na loucura havia acarretado uma longa saga de alianças e traições das grandes potências - tanto das democracias quanto das ditaduras. Uma das muitas "baixezas e desonestidades" no caminho da guerra foi o Pacto de Não-Agressão Nazi-soviético, assinado em Moscou em agosto de 1939 pelo chanceler de Adolf Hitler, Joachim von Ribbentrop, e pelo de Josef Stalin, Vyacheslav Molotov. O acordo de Moscou selou o destino da Polônia, ao garantir a neutralidade soviética. Reduzido o risco de uma guerra em duas frentes, Hitler lançou sua "blitzkrieg" na Polônia. Os protocolos secretos do pacto Ribbentrop-Molotov, guardados nos arquivos nazistas, vieram à luz depois da guerra. Então, o mundo soube que Hitler e Stalin haviam concordado em dividir a Europa em duas esferas de influência. Mas a aliança terminou nas primeiras horas de 22 de junho de 1941, quando Hitler traiu e invadiu a URSS. Existe uma frase na Rússia sobre a honra entre ladrões: "O ladrão roubou um chapéu do ladrão." Em julho desse ano, a reunião parlamentar anual da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) adotou uma resolução instituindo o 23 de agosto como o Dia da Memória às vítimas do stalinismo e do nazismo. Comentaristas russos denunciaram a resolução como mais uma tentativa "anti-russa de refazer a história". E fizeram isso muito embora seu país tenha reconhecido oficialmente os protocolos secretos em 1989. Recentemente, nostálgicos soviéticos irritaram-se com a transferência de um monumento ao Exército Vermelho na Estônia, em 2007, e com várias observações favoráveis do presidente ucraniano, Viktor Yushchenko, sobre o Exército Rebelde Ucraniano, que cooperou com os nazistas contra as forças soviéticas. Em maio, o presidente russo, Dmitri Medvedev, anunciou a criação de uma "comissão contra os esforços para falsificar a história e prejudicar os interesses russos". A referência aos "falsificadores" lembra diretamente a terminologia stalinista. O Parlamento russo também começou a estudar a possibilidade de sancionar uma lei que consideraria crime "minimizar a vitória soviética" na 2ª Guerra. O presidente da Câmara Alta da Rússia, Sergei Mironov, foi cuidadoso ao explicar que a lei proposta trata dos "resultados" da guerra. Ele talvez lembre do que o historiador dissidente soviético A. M. Nekrich escreveu em 1965: "Narrar o último dia da guerra é uma tarefa mais gratificante do que narrar o primeiro. A guerra, a maior das tragédias, teve um final brilhante, mas um começo difícil." Não se conserta um erro cometendo outro, mas vale a pena lembrar que as democracias ocidentais já haviam selado seu próprio acordo de paz com o diabo na Conferência de Munique, em 1938 - acordo denunciado pelos soviéticos. Como Churchill observou, "as terríveis palavras foram pronunciadas, até o momento, contra as democracias ocidentais: "Pesado foste na balança e foste achado em falta." Segundo o filósofo polonês Leszek Kolakowski, "aprendemos História não para saber como devemos nos comportar ou como poderemos ser bem-sucedidos, mas para saber quem somos". O conhecimento da História - quem somos - exige estudo e reflexão. No entanto, os grandes gestos políticos podem ser importantes para a causa da verdade e da reconciliação. O que quer que se acrescente a respeito do aniversário nazi-soviético, a visita de Putin a Gdansk poderá contribuir para virar esta página da História. *Mark Medish é pesquisador da Fundação Carnegie

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