Quase dez anos depois, atentado à Amia ainda é mistério

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Por Agencia Estado
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"Desta vez pegaremos os culpados." A frase, pronunciada pelo ex-presidente Carlos Menem (1989-1999), é de 1994. Menem referia-se aos responsáveis pelo atentado à Associação Mutual Israelita-Argentina (Amia), ocorrido poucas semanas antes de sua promessa. As palavras de Menem jamais foram cumpridas. Nem por ele nem por seus sucessores. Até hoje, os culpados do ataque que causou a morte de quase 100 pessoas e ferimentos e mutilações em outras 300 continuam sem ser identificados. Somente estão presas 20 pessoas, entre elas 15 ex-policiais, que se recusam a falar sobre os mentores do ataque e trocam constantemente acusações entre si. Cerca de 1.500 testemunhas desfilaram pelos tribunais portenhos desde setembro de 2001. Para complicar, também não há certeza sobre como foi cometido o atentado, nem que tipo de bomba foi utilizado, muito menos os motivos para o ataque terrorista. Pistas falsas foram criadas e, em cima delas, novas distrações que desviaram as investigações para as hipóteses mais tresloucadas. Além disso, o Departamento de Imigrações nunca conseguiu fornecer informações sobre quem entrou e quem saiu do país nos meses prévios e posteriores ao do atentado. Ligações suspeitas O cenário é mais complexo ainda por causa das profundas divisões no interior da comunidade judaica sobre o atentado. Os analistas afirmam que a obscura trama do atentado à Amia ultrapassa qualquer conto de Franz Kafka. Além disso, diversas investigações e processos estão indiretamente vinculados com o caso Amia, para aumentar mais ainda o emaranhado de informações. Esse é o caso da investigação de enriquecimento ilícito de Menem, já que segundo a testemunha C, protegida pelos EUA, Menem teria recebido dinheiro do Irã para atrapalhar as investigações. Também se especula sobre conexões com o escândalo do contrabando de armas para a Croácia e Equador, entre 1991 e 1995, e até com a morte de Carlos Menem Jr., filho do ex-presidente, que morreu em um misterioso acidente de helicóptero em 1995. O jornalista americano Joe Goldman, autor de Cortinas de Fumaça, sobre o atentado cometido em 1992 contra a embaixada de Israel e investigador do atentado contra a Amia, faz uma metáfora ao Estado: "É como uma fita cassete que ficou presa no gravador e foi triturada. Você a tira, volta a enrolar, mas nunca mais a música terá a mesma qualidade. O caso Amia é assim. Já não dá para saber quem o fez e como. O acobertamento funcionou. Foram criadas mentiras sobre mentiras." Hipóteses As mais de 400 páginas do relatório final do juiz Juan José Galeano sobre o caso Amia falam pouco sobre o grupo terrorista que teria feito o atentado e muito pouco sobre os explosivos ou os motivos que causaram o ataque. Acima de tudo, está focalizado na "conexão argentina", que envolve policiais corruptos, falsificadores de pistas e ladrões de automóveis. A hipótese na qual acredita a Justiça é a de que o atentado tenha sido realizado com uma camionete Trafic carregada com 300 quilos de explosivos, dirigida por um motorista suicida. A Justiça considera que a Trafic foi vendida por Carlos Telleldín, um vendedor de carros roubados, a um grupo de policiais. Telleldín, também era dono de um prostíbulo, além de filho de um ex-repressor da ditadura. Esses policiais teriam entregue o veículo ao grupo de terroristas. No entanto, a única prova da existência da Trafic é um motor, que apareceu muitos dias depois da explosão e sobre o qual pairam suspeitas de que tenha sido plantado. Para os especialistas que investigam o caso há quase uma década, além dos parentes das vítimas e representantes da comunidade judaica, existe mais de uma hipótese sobre o atentado. A primeira pergunta é "quem fez isso?" Os olhares de suspeita que buscam um culpado no exterior se focalizam sobre os países muçulmanos. Ao contrário do costumeiro, nenhum grupo fundamentalista jamais reivindicou a autoria do ataque. A Justiça suspeita que tenha sido o Hezbollah, que teria agido na Argentina com o apoio da Embaixada do Irã. Mas outros não descartam a participação de terroristas vinculados aos governos da Síria ou Líbia. Outras teorias indicam que os culpados seriam argentinos, integrantes das fileiras dos militares caras-pintadas (que tentaram levantes militares nos anos 80 e em 1990), conhecidos por seu anti-semitismo. Também se especula que poderiam ser integrantes da mal-afamada Polícia da Província de Buenos Aires. Uma hipótese mista junta os muçulmanos com os caras-pintadas e os policiais.

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