MARACAIBO, VENEZUELA - Em toda a cidade de Maracaibo, capital do Estado de Zulia, os moradores já se acostumaram a tirar as geladeiras da tomada para se prevenir dos picos de energia - e muitos só compram a comida que vão consumir no próprio dia.
Os apagões constantes no Estado de Zulia contribuem para o aumento da miséria dos venezuelanos que já estão no quinto ano de uma crise econômica que provocou desnutrição, hiperinflação e emigração em massa.
A outrora próspera economia socialista do membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) com as maiores reservas conhecidas da commodity em todo o mundo entrou em colapso desde a queda de 2014 dos preços do petróleo.
"Eu nunca imaginei que teria que passar por isso", disse com lágrima nos olhos Cindy Morales, de 36 anos, funcionária de uma padaria. "Eu não tenho comida, não tenho eletricidade na minha casa e não tenho dinheiro."
Zulia, historicamente considerado o coração da indústria energética do país - e conhecido por décadas em razão da riqueza proveniente do petróleo -, fica várias horas no escuro todos os dias, desde março, às vezes deixando seus 3,7 milhões de habitantes sem eletricidade por até 24 horas.
No passado, os moradores do Estado costumavam dizer que viviam no "Texas venezuelano" em razão da abundância de petróleo e por terem uma identidade orgulhosamente distinta do resto do país. Os trabalhadores do setor petrolífero frequentemente eram vistos dirigindo carros novos e voavam em aviões particular para o território holandês de Curaçau para jogar em cassinos.
Maracaibo, que já foi famosa por suas festas que duravam a noite toda, agora é constantemente um mar de escuridão à noite devido aos apagões.
As seis usinas elétricas estatais da Zulia têm bastante petróleo para gerar energia, mas a falta de manutenção e de peças de reposição causam avarias frequentes, fazendo com que as instalações funcionem com apenas 20% de suas capacidades, disse Angel Navas, presidente da Federação Nacional de Trabalhadores do setor Elétricos. (Fetraelec).
O ministro de Energia, Luis Motta, afirmou neste mês que os cortes de energia de até oito horas no Estado seriam "a norma" em Zulia até que as autoridades desenvolvam um "plano de estabilização". Ele não deu, no entanto, mais detalhes sobre o tal plano e o ministério não quis comentar o assunto.
O governo do Estado de Zulia também preferiu não se pronunciar sobre a atual situação da região.
Dificuldades
A aposentada Judith Palmar, de 56 anos, aproveitou o fato de sua casa ter energia em uma tarde da semana passada para cozinhar.
Quando as luzes se apagam, Judith leva a mãe, que sofre de paralisia, para o quintal porque a casa fica insuportavelmente quente.
Um apagão danificou o ar-condicionado da casa e Judith não tem dinheiro para comprar um novo ou consertar o atual - ela recebe o equivalente a US$ 1,50 por mês de aposentadoria devido à inflação, estimada em junho pela Assembleia Nacional, controlada pela oposição, em 46.000% ao ano.
As interrupções no fornecimento de energia elétrica também estão prejudicando os negócios em Zulia.
O Estado produzia cerca de 70% da carne e do leite consumidos na Venezuela, mas sem luz para que os equipamentos de ordenha sejam utilizados e para ligar os freezer que evitam que a carne apodreça, a produção do Estado caiu quase pela metade, de acordo com a Federação Nacional de Fazendeiros da Venezuela (Fedenaga).
A participação de Zulia na produção total de petróleo do país também caiu nos últimos 10 anos, de 38% para 25%, segundo dados da estatal petrolífera PDVSA.
Maracaibo, a segunda maior cidade do país, parece uma "cidade fantasma", opinou Fergus Walshe, chefe de uma organização empresarial local. Ele disse que as empresas reduziram suas horas de operação devido à falta de energia.
"Antes, a atividade comercial estava crescendo", disse Walshe.
Os pequenos negócios também foram afetados. Em um parque industrial nos arredores de Maracaibo, 80% das 1.000 empresas instaladas na região são afetadas pelos cortes de energia, de acordo com outra associação empresarial em Zulia.
As vendas na loja de peças de reposição de Américo Fernández caíram 50%, porque os leitores de cartões, que são cruciais porque até mesmo os produtos mais baratos exigem pilhas de notas de bolívar, não podem ser usados durante os cortes de energia.
"Eu tive que improvisar para contornar a crise. Eu conecto a bateria do carro à loja para que os leitores de cartão possam funcionar", disse Fernandez durante uma queda de energia em sua casa, iluminada apenas por velas. / REUTERS