Quem é o republicano que resistiu à pressão de Trump para mudar o resultado das eleições

Secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger tem confrontado as afirmações do presidente de que sua derrota nas eleições foi resultado de uma fraude generalizada. 'A verdade importa', diz ele

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Por Reuters
Atualização:

CUTHBERT, Geórgia — O secretário de estado da Geórgia, o republicano Brad Raffensperger, consolidou sua condição de herói improvável para os democratas americanos após um novo confronto no qual rejeitou as alegações do presidente Donald Trump de que sua derrota nas eleições no Estado foi resultado de uma fraude generalizada.

Trump chamou novamente a atenção do ex-empresário de 65 anos quando ligou para Raffensperger no sábado para pressioná-lo a "encontrar" votos suficientes para reverter a vitória do presidente eleito Joe Biden na Geórgia, de acordo com o áudio da ligação de uma hora publicado pelo Washington Post no domingo.

O secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, durante coletiva em Atlanta, em dezembro do ano passado. Foto: AP Photo/John Bazemore

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Principal autoridade eleitoral da Geórgia, Raffensperger disse nesta segunda-feira que a Casa Branca o pressionou, contra a sua vontade, a atender a ligação do presidente. 

Segundo a rede CNN, citando uma fonte próxima e um funcionário estadual da Geórgia, houve 18 tentativas de chamada telefônica da Casa Branca ao secretário entre o dia das eleições, 3 de novembro, e o sábado. 

“Nunca acreditei que fosse apropriado falar com o presidente, mas ele forçou a barra, fez sua equipe nos pressionar. Eles queriam uma ligação”, disse ao programa "Good Morning America" da ABC.

Um deputado estadual democrata pediu uma investigação sobre se Trump violou a lei eleitoral da Geórgia durante o telefonema. Na conversa,Raffensperger e seu conselheiro jurídico, Ryan Germany, rejeitaram as afirmações de Trump sobre fraude eleitoral.

“Atendemos a ligação e conversamos. Ele foi o responsável pela maior parte da conversa, nós ouvimos”, disse Raffensperger.

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“Mas eu quero deixar claro que os dados que ele tem estão simplesmente errados. Ele tinha centenas e centenas de pessoas que disse que estavam mortas que votaram. Encontramos dois. Esse é apenas um exemplo de suas informações ruins.”

Apesar de pressão de Trump, Raffensperger se negou a alterar resultado da eleição na Geórgia. Foto: AP Photo/John Bazemore

Questionado se considerava legal o pedido de Trump para que "encontrasse" votos, ele respondeu: “Não sou advogado. Tudo que sei é que vamos seguir a lei, seguir o processo. A verdade importa, e estamos combatendo esses rumores há dois meses.”

Em uma entrevista coletiva mais tarde nesta segunda, Ryan Germany, o assessor jurídico de Raffensperger, disse que a conversa com Trump foi como o filme "O feitiço do tempo",em que o passado teima em se repetir.

“É fácil provar que o que ele disse é falso, mas o presidente persiste, e com isso mina a confiança dos georgianos no sistema eleitoral.”

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Como principal autoridade eleitoral da Geórgia, Raffensperger supervisionou várias recontagens das cédulas de 3 de novembro, cada uma alcançando o mesmo resultado — que o estado sulista havia preferido por uma pequena diferença um candidato presidencial democrata pela primeira vez em uma geração.

Raffensperger prometeu combater qualquer fraude eleitoral e repetiu incansavelmente as conclusões de seus colegas que supervisionaram os processos eleitorais em outros estados de que não havia evidência de fraude generalizada em novembro.

Ele também rechaçou repetidamente as alegações infundadas de fraude de Trump, mesmo depois que o presidente o rotulou de "inimigo do povo". Ele fez isso novamente na ligação de sábado, dizendo a Trump que a votação mostrou que Biden era o vencedor por direito.

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“Bem, senhor presidente, o desafio que o senhor tem é que os seus dados estão errados”,Raffensperger disse a Trump na gravação.

Ele e seus colegas vêm alertando há semanas que a retórica de Trump colocava a todos em perigo.

“Pare de inspirar as pessoas a cometerem atos de violência em potencial. Alguém vai se machucar, alguém vai levar um tiro, alguém vai ser morto”, disse Gabriel Sterling, gerente do sistema de votação da Geórgia, em uma emocionante entrevista coletiva em 1º de dezembro, antes de observar que a mulher de Raffensperger vinha recebendo ameaças. “Tudo foi longe demais. Isso tem que parar.”

Não ficou claro se o governo estadual havia adotado medidas de segurança para proteger Raffensperger depois que as ameaças surgiram. Seu escritório e o do governador Brian Kemp não responderam aos pedidos de comentários.

Um 'homem direito'

Depois de anos como engenheiro civil e empresário de sucesso, Raffensperger serviu por dois anos em um conselho municipal e quatro anos na Assembleia Legislativada Geórgia antes de suceder Kemp em 2018 como o principal funcionário eleitoral.

Conhecidos de Raffensperger na Câmara estadual o descreveram como um "homem direito" que apoiava as prioridades republicanas tradicionais, tendo defendido um projeto de lei para cortar regulamentações sobre pequenas empresas, por exemplo, e votado contra um imposto sobre a gasolina, de acordo com um perfil do Atlanta Journal-Constitution.

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Republicano por toda a vida, Raffensperger foi um dos primeiros apoiadores de Trump em 2016, e o presidente retribuiu o favor endossando-o para secretário de Estado da Geórgia. Mas qualquer boa vontade existente entre os dois homens desapareceu desde então.

“Brad Raffensperger: ele não é um progressista. Não é como se fosse um herói para mim”,disse Hillary Rosen, uma estrategista democrata, à CNN. “Ele é um republicano conservador sólido que enfrenta o presidente. É isso que o torna tão importante.”

Os ataques implacáveis de Trump desde a eleição de 3 de novembro incluíram uma acusação de que Raffensperger permitiu que fossem contadas dezenas de milhares de votos supostamente ilegais, garantindo a vitória de Biden. Os senadores republicanos da Geórgia, David Perdue e Kelly Loeffler, pediram que Raffensperger renuncie.

Perdue e Loeffler, aliás, estão em campanhas acirradas às vésperas do segundo turno das eleições na Geórgia, que acontece nesta terça-feira e vai determinar qual partido controla o Senado dos EUA.

Raffensperger foi criticado pelas lideranças do partido em todo o estado por não ceder à vontade de Trump. Ronald Ham, o chefe do Partido Republicano na zona rural de Brantley, disse que Raffensperger deveria levar as alegações de Trump sobre fraude eleitoral mais a sério. Ele disse que houve discussões entre alguns líderes do partido sobre a sua destituição.

“Tenho sido um pouco crítico demais com Brad, mas onde há tanta fumaça, eu gostaria de verificar”, disse Ham. “Ele é um cara bom, mas não sobreviverá à reeleição se chegar tão longe.”

Raffensperger disse ao Atlanta Journal-Constitution no final de novembro que ele e sua mulher por 44 anos haviam confiado em sua fé para lidar com a pressão.

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“Somos pessoas honestas, pessoas simples”, disse Raffensperger. “Somos pessoas quietas em um papel inquietante.”

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