HONG KONG - Quando chegou a notícia de que um novo vírus perigoso estava matando pessoas na China continental, o povo de Hong Kong entrou em ação. Praticamente da noite para o dia, escolas foram fechadas, cartazes apareceram pela cidade lembrando os moradores a lavar as mãos e, aparentemente, todos na rua estavam usando uma máscara facial.
Enquanto o Ocidente debatia a eficácia das máscaras, os moradores de Hong Kong, atingidos pelo surto mortal de SARS há 17 anos, depositaram sua confiança nelas. Desde o início da pandemia, apenas quatro pessoas em Hong Kong, uma cidade de 7,5 milhões de habitantes, morreram em decorrência da covid-19.
Mas por trás das máscaras onipresentes existe uma verdade que nem todos aqui sabem: milhões de máscaras cirúrgicas de Hong Kong são produzidas por prisioneiros, alguns dos quais trabalham até tarde da noite por meros centavos.
A prisão de segurança média de Lo Wu, localizada perto da fronteira com a China continental, produz máscaras 24 horas por dia desde fevereiro, quando o governo de Hong Kong aumentou a produção para abastecer o exército de trabalhadores médicos, de saúde pública e saneamento da cidade.
Trabalhando dia e noite, os presos, juntamente com agentes aposentados e de folga que oferecem seu tempo, agora produzem 2,5 milhões de máscaras por mês, contra 1,1 milhão antes do surto.
O trabalho nas prisões
Uma presa, Yannis, foi designada para colocar argolas elásticas nas frentes das máscaras, seis dias por semana, da meia-noite até o nascer do sol. Libertada no mês passado depois de completar uma sentença de dois anos por roubo, pediu para ser identificada apenas pelo seu primeiro nome, por medo de represálias.
O trabalho nas prisões em Hong Kong é oficialmente anunciado como uma oportunidade para os reclusos realizarem um "trabalho útil" que ajuda a reabilitá-los e "reduz sua ociosidade e tensão". Mais de 4 mil internos produzem sinais de trânsito, uniformes da polícia, roupas de hospital e material de escritório para o governo todos os anos.
Tais bens foram avaliados em US$ 57 milhões em 2018, segundo as autoridades, que disseram que o programa tinha o "benefício incidental de economizar dinheiro público". O Departamento de Serviços Correcionais da cidade disse que os presos que trabalhavam durante a noite ou em turnos adicionais o faziam "voluntariamente" e recebiam salários mais altos.
Yannis disse que ganhava US$ 4,30 por dia, ou US$ 0,61 por hora - o equivalente a cerca de um oitavo do salário mínimo legal de Hong Kong. Quem trabalha à noite também tem uma hora de pausa. Yannis disse que seus poucos salários voltaram à prisão. Os presos costumam gastar sua renda em necessidades como condicionador de cabelo, absorventes menstruais e papelaria.
'Problemático'
Law Yuk-kai, diretor do Monitor de Direitos Humanos de Hong Kong, que monitora as condições das prisões da cidade, disse que é "problemático" contar com esse trabalho para atender às necessidades urgentes da sociedade.
"As pessoas devem ser obrigadas a trabalhar ou receber treinamento na prisão somente se estiver relacionado à reabilitação", disse Law. Ele acrescentou que as autoridades não devem pagar aos presos salários "desprezíveis" quando estiverem "acelerando a produção para atender às nossas necessidades".
Law disse que sua organização recebeu um relatório sobre um preso que se sentiu obrigado a trabalhar apesar de se sentir mal. "Isso é exploração por natureza, especialmente quando a distribuição de renda e trabalho é tão extrema", disse Shiu, um parlamentar que representa o setor de bem-estar social da cidade.
Shiu, que ficou preso oito meses no ano passado por seu papel nos protestos pró-democracia de 2014, disse que trabalhava em uma fábrica de roupas de uma prisão ganhando até US$ 0,57 por hora. "O que os trabalhadores recebem é muito, muito pouco. É humilhante", disse ele.