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Quem são os líderes políticos do Hamas e como entraram na mira de Israel?

Veja quais são os líderes do Hamas e como funciona a cúpula de liderança do grupo

Por Adam Taylor
Atualização:
O comandante da ala política do Hamas Yahya Sinwar, em foto de arquivo Foto: MAHMUD HAMS / AFP

CIDADE DE GAZA - Um ataque aéreo de Israel no domingo destruiu um edifício indeterminado em Khan Younis, cidade ao sul da Faixa de Gaza. De acordo com autoridades israelenses, o alvo do ataque era a casa e escritório do líder político do Hamas, Yehiya Sinwar. Não está claro se Israel pretendeu matar Sinwar ou apenas enviar uma mensagem. Os principais líderes do Hamas normalmente fogem e se ocultam durante os conflitos. Na segunda-feira um comandante do Exército israelense disse que Sinwar não morreu no ataque, mas que outros líderes do Hamas “estavam, e continuam, na mira de Israel”. Sendo uma alta autoridade política em Gaza, escolhido numa eleição interna secreta do Hamas em 2017, e reeleito este ano, Sinwar tem, no território palestino, a função mais próxima de um líder do alto escalão, uma posição equivalente à do primeiro ministro de Israel, Binyamin Netanyahu. Mas Netanyahu faz declarações na TV e compartilha mensagens na mídia social, ao passo que Sinwar permanece na clandestinidade, mantendo um silêncio quase que completo durante os piores confrontos em Gaza desde 2014. Inversamente, Ismail Haniyeh, ex-líder político de Gaza que atua como principal figura política do Hamas no Qatar, e Mohammed Deif, chefe da ala militar, é que controlam as mensagens públicas durante o conflito. Sinwar, apesar de reputado como uma figura de linha dura durante a época em que foi líder militar do Hamas e prisioneiro dos israelenses por 22 anos, tem surpreendido os analistas com suas posições políticas pragmáticas desde 2017. Ele pode ser chave para um cessar fogo. Veja quais são os líderes do Hamas e como funciona a cúpula de liderança do grupo

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Quem é Sinwar?

Nascido num campo de refugiados em 1962 em Khan Yunis, depois sob controle egípcio, Sinwar foi um líder estudantil antes de se tornar um dos primeiros chefes do braço militar do Hamas nos anos 1980. Foi preso por Israel três vezes - em 1982, 1985 e 1988. Após sua última prisão foi condenado à prisão perpétua acusado de ser o autor intelectual do sequestro e morte de dois soldados israelenses, mas foi libertado depois de 22 anos numa troca de prisioneiros. Uma lenda em Gaza por causa do seu passado militar e o tempo passado na prisão, juntamente com seus fortes vínculos locais, Sinwar era visto com preocupação por alguns analistas israelenses depois de ter assumido a mais alta posição política em Gaza em 2017. Mas para alguns, suas ideias evoluíram. “Ele é um líder linha dura, de um lado, mas de outro diria que nos últimos quatro ou cinco anos tem se comportado de uma maneira muito mais sensata e responsável” , disse Kobi Michael, analista e antigo funcionário do governo israelense. Durante os conflitos na fronteira de Gaza em 2018 e 2019, disse Michael, Sinwar tentou promover uma intermediação egípcia e se empenhou para melhorar a situação econômica e humanitária em Gaza. “Na disputa durante as eleições internas do Hamas em 2021, Sinwar desejava “fazer todas as concessões” para assegurar novas eleições nos territórios palestinos, uma posição controvertida dentro do Hamas, disse Imad Alsoos, especialista no assunto que trabalha no Max Planck Institute for Social Anthropology.

Como funciona a estrutura de liderança do Hamas?

Hamas, acrônimo em árabe do Movimento de Resistência Islâmica, surgiu a partir do capítulo palestino da Irmandade Muçulmana. Foi fundado logo depois da primeira Intifada, em dezembro de 1987, pelo xeque Ahmad Yassin, professor que se locomovia em cadeira de rodas, e outros. O movimento originalmente tinha dois objetivos: empreender uma luta armada contra a ocupação israelense e promover uma agenda religiosa por meio do trabalho social e ensino da religião. As Brigadas Qassam, do Hamas, criadas em torno de 1991, foram estruturadas como braço militar separado e secreto. Sinwar foi líder do grupo nos seus primeiros dias, que hoje é comandado por Deif. A liderança política do movimento está dividida entre indivíduos dos territórios palestinos que são eleitos entre os membros e aqueles que estão fora das suas fronteiras. O conselho consultivo do Hamas se encarrega de definir as estratégias e supervisionar várias atividades. O principal líder político, Haniyeh, está baseado no Qatar, que é simpático a muitos movimentos islâmicos e financia o Hamas. Dirigindo-se a centenas de pessoas num comício na noite de sábado, ele ameaçou aumentar a força militar se Israel intensificar os seus ataques.

Líderes exilados

Khaled Meshal, que liderou o movimento por duas décadas e agora comanda seu birô de política externa, também vive exilado no Qatar.

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Manter uma presença no exterior tem ajudado o movimento a arrecadar recursos, transmitir sua mensagem e se conectar com a diáspora palestina, disse Daniel Byrman, especialista em contraterrorismo na Brookins Institution.

Mas a governança diária da Faixa de Gaza cabe a Sinwar, líder do Hamas em Gaza. O Hamas governa uma pequena fatia de terra ao longo da costa desde que as forças israelenses se retiraram dali em 2005.

Michael disse que os líderes baseados no Qatar estão afastados das realidades da vida quotidiana na Faixa de Gaza. “Eles não têm problemas com suas famílias e vivem de maneira muito confortável em palácios”.

Até que ponto os líderes políticos dirigem as operações militares não se sabe claramente. Mas segundo Byrman, no passado os líderes do Hamas se envolveram muito nas decisões militares importantes.

“Não são organizações distantes, uma vez que, basicamente, são o Hamas e eles têm orgulho do movimento e, quando disputam um cargo, podem dizer “somos os únicos que lutam”, disse ele.

A existência e a influência do braço militar têm complicado os esforços do grupo para participar da política eleitoral. Tentativas anteriores de reconciliação com o partido rival, o Fatah, naufragaram, em parte porque o Hamas se recusou a abandonar seu braço armado. Estados Unidos e Israel designaram o Hamas como grupo terrorista.

Para analistas, o Hamas está usando esses novos confrontos para ganhar apoio político depois de o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, cancelar as eleições previstas para este mês.

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E são os líderes políticos que têm a palavra final, dando sinal verde ou bloqueando um cessar-fogo.

Artilharia israelense dispara perto da fronteira com a Faixa de Gaza Foto: Dan Balilty/The New York Times

Por que Israel mira os líderes políticos?

As linhas sobrepostas e confusas entre as partes que compõem o Hamas dão a Israel margem para escolher os alvos.

“O Hamas dirige hospitais, escolas. Se você disser, ‘ora, não existe nenhuma distinção de fato’ - bombardear uma escola é bombardear uma escola’ - é muito difícil justificar esse ato, mesmo se tratando de uma escola do Hamas”, disse Byrman. “Acho que Israel tenta demarcar as linhas, mas os críticos dirão que elas não estão delimitadas o suficiente”.

O conflito deste mês não é o primeiro em que a liderança política do Hamas é visada. Israel assassinou Yassim e outro fundador e líder do Hamas, Abdel Aziz Rantisi, em 2004. Meshal sobreviveu a uma tentativa de assassinato fracassada em 1997, quando agentes do Mossad, serviço secreto israelense, envenenou o líder numa rua em Aman, na Jordânia, em retaliação aos ataques suicidas em Israel.

Autoridades jordanianas detiveram os agentes e, sob pressão do presidente Bill Clinton, Netanyahu entregou o antídoto, salvando a vida de Meshal.

“Eles miram repetidamente os líderes políticos, mas são mais propensos a atacarem figuras militares e operacionais. A finalidade de atacar líderes políticos é intensificar a pressão e não se trata de uma medida sem precedentes”, disse Byrman.

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A morte de Sinwar não faria nenhuma diferença para o Hamas no longo prazo, disse Alsoos. Para o melhor ou pior, ele explicou, o Hamas tem uma hierarquia estrita, sem a tradição de um líder político carismático, como o Fatah, no caso de Yasser Arafat, que forçou a organização a seguir em novas direções.

“Não existe nenhum espaço para um líder como Arafat porque a organização está sempre acima do líder”, disse Byrman.

/Tradução de Terezinha Martino

Fumaça é vista após bombardeio de Israel contra Cidade de Gaza Foto: Haitham Imad/EFE
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