Ração, racionamento e Exército

Se Maduro for retirado do cargo e vice assumir, general Padrino López deve ampliar ainda mais sua influência

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Por The Economist
Atualização:

“Há apenas um chefe! Um comandante! Uma autoridade!” As retumbantes afirmações foram feitas pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em recente pronunciamento na televisão. Estranhamente, ele não estava falando de si, e sim exaltando o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López. O general, há muito um nome forte nos bastidores do governo, ganhou muita visibilidade e poder.

Em julho Maduro o colocou no comando da mais recente iniciativa do governo para amenizar a escassez de alimentos, que destruiu o prestígio do regime populista e ameaça sua sobrevivência. A situação se tornou tão ruim que o McDonald’s interrompeu a venda de Big Macs porque não consegue obter os pães. A “Grande Missão de Soberania no Abastecimento” tira dos atacadistas particulares e do Estado a responsabilidade pela distribuição de alimentos, confiando-a ao Exército. De acordo com Maduro, o general Padrino López não responderá a ninguém. “Todos os ministérios e instituições do governo (envolvidos na distribuição de comida) estão subordinados” a ele. Maduro também pediu ao Exército que assumisse o controle dos portos.

Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro (centro), caminha ao lado do ministro de Defesa, Vladimir Padrino Lopez (dir.), em evento do Dia da Guarda Nacional Foto: Miraflores Palace/Handout via REUTERS

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O presidente “transferiu seus poderes”, acredita Cliver Alcalá, general de divisão da reserva que se inclui entre os admiradores de Padrino López. Os analistas Javier Corrales e Franz von Bergen, que escrevem para o site America Goes Global, dizem que a Venezuela pode ter passado por “um novo tipo de golpe” no qual “o presidente não é removido, mas fica de mãos atadas”.

O regime já era quase militar. Seu fundador, Hugo Chávez, era um coronel do Exército que certa vez tentou o golpe. O governo dele foi uma união civil-militar, no qual o Exército atuava como ponta de lança de sua “revolução bolivariana”. O inepto Maduro é um civil que parece deslocado nas reuniões de militares. Mas ele manteve o tom marcial do governo. Um terço de seus ministros é formado por soldados. Após uma tentativa fracassada de golpe em 2002, Chávez passou a exercer controle total sobre o Exército; depois de sua morte, os militares retomaram seu papel de árbitros do poder.

Isso se tornou aparente após a eleição parlamentar ocorrida na Venezuela no dia 6 de dezembro, quando a oposição conquistou o controle da assembleia nacional pela primeira vez em 17 anos. Após a votação, o general Padrino López foi à TV parabenizar os cidadãos pela sua participação num processo democrático pacífico. Alguns analistas interpretaram isso como um alerta para que Nicolás Maduro não rejeitasse a vitória da oposição. Recentemente, o general falou em “falência da governabilidade”. Não há razão para duvidar de sua lealdade à revolução de Chávez: para defendê-la, ele pode trair o presidente.

O futuro papel do Exército pode estar entrelaçado à tentativa da oposição de depor Maduro por meio da realização de um referendo. No dia 1º de agosto a comissão eleitoral confirmou que a oposição tinha reunido assinaturas suficientes para que o processo fosse levado ao segundo estágio: a coleta de assinaturas representando ao menos um quinto do eleitorado (cerca de 4 milhões de assinaturas). Se os adversários de Maduro conseguirem isso, a lei prevê a realização de um referendo a respeito da permanência dele no poder. Como menos de um quarto dos venezuelanos aprovam seu governo, ele seria provavelmente derrotado.

Chamado de volta ao dever? Se Maduro for tirado do cargo antes do dia 10 de janeiro, serão convocadas novas eleições presidenciais; se a saída for depois disso, o vice-presidente, Aristóbulo Istúriz, assumirá. Nesse caso, o general Padrino López pode ampliar ainda mais sua influência no governo.

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Mas, quando chegar este momento, é possível que o prestígio do Exército, já reduzido, tenha sofrido ainda mais com o fracasso em reduzir a escassez de alimentos. O governo coloca a culpa nos operadores do mercado negro, a quem o Exército deve expulsar da rede de distribuição. Mas isso é um delírio. A escassez é causada pelo controle de preços, que torna ilegal a venda de bens essenciais abaixo de valores equivalentes a uma fração do seu custo de produção. Graças ao baixo preço do petróleo e à própria incompetência, o governo não tem dinheiro suficiente para subsidiar as importações que compensariam a falta de produtos locais. O mercado negro não é causador da escassez, e sim consequência dela. Reafirmando sua rejeição da realidade econômica, Maduro nomeou como novo ministro do comércio alguém que já elogiou a União Soviética como “país altamente autossustentável”.

Os postos militares de controle na fronteira com a Colômbia já ficam com parte do dinheiro das redes de contrabando. No dia 1º de agosto um tribunal de Nova York acusou Néstor Reverol, ex-comandante da guarda nacional e antigo diretor do combate às drogas na Venezuela, de envolvimento no tráfico de cocaína. No dia seguinte, Maduro fez dele ministro da Justiça.

Há poucos indícios da eficácia da Grande Missão de Abastecimento. Os venezuelanos continuam a passar horas em filas de supermercados que estão com as prateleiras vazias. Talvez os generais consigam devolver os pães aos Big Mac’s. Mas o mais provável é demonstrarem que oferta e demanda não obedecem ordens, diferentemente de soldados num desfile.

© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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