Raúl militariza governo contra crise

Para analistas, objetivo da reforma de gabinete é dar eficiência à máquina pública sem descuidar da disciplina

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Por Ruth Costas
Atualização:

A crise global pode ser capitalista, como gosta de dizer o líder Fidel Castro, mas o socialismo de Cuba não deve passar incólume. As turbulências econômicas globais estão entre as principais motivações da ampla reforma de gabinete feita pelo presidente cubano, Raúl Castro, na semana passada, segundo analistas consultados pelo Estado. "Raúl pôs militares e tecnocratas no poder para atender a dois objetivos: dar mais eficiência à máquina pública para impulsionar a economia e criar um governo forte e militarizado, capaz de dar resposta a possíveis protestos ou distúrbios políticos motivados pela crise", diz Susan Purcell, especialista em Cuba de Universidade de Miami, nos EUA. Quanto maior o salto, maior o tombo, diz o ditado popular. Por essa lógica, Cuba deveria estar tranquila com a atual crise financeira. Afinal, nos anos em que os países capitalistas da região viviam uma euforia de consumo, investimentos e especulação financeira, a ilha lutava sem muito sucesso para reerguer sua combalida economia - atingida pela tradicional falta de dinamismo e investimentos e, em 2008, por três furacões. Mas a história não é bem essa. No caso de um regime em transição como o de Raúl - que no dia 24 completou um ano no cargo -, analistas lembram que há sempre o risco de os problemas econômicos levarem a contestações políticas. Ou seja, o tombo pode ser grande. Na reforma - a mais ampla reestruturação de gabinete promovida em Cuba em décadas - foram destituídos 12 ministros. Entre eles, o reformista Carlos Lage, secretário executivo do Conselho de Ministros, e o chanceler Felipe Pérez Roque. Ambos eram figuras políticas de peso, incluídas na lista dos possíveis sucessores de Fidel quando ele renunciou, em 2008. Agora há dez militares no alto escalão do governo. O substituto de Lage, por exemplo, é o general José Amado Ricardo. O novo ministro da Economia é Marino Murillo, que também tem um passado militar. A tarefa desses oficiais parece ser replicar no governo o modelo de gestão aplicado nas estatais que passaram para as mãos das Forças Armadas nos anos 90. Na época, Raúl era o comandante militar. Tido como um político linha-dura no combate aos "inimigos" do regime, ele mostrou flexibilidade e pragmatismo ao tratar de assuntos econômicos. Sob seu comando, os militares aplicaram métodos capitalistas para aumentar o lucro em negócios que vão de plantar feijão a administrar hotéis e companhias aéreas, seguindo um modelo de crescimento com controle e disciplina. A crise, porém, deve complicar a tarefa de implementá-lo em outros setores. EXPORTAÇÕES EM BAIXA O preço do níquel, produto que representa mais de 50% das exportações cubanas, está despencando. Na semana passada, fontes da indústria disseram que o governo já pensa em fechar algumas siderúrgicas. O turismo também deve cair, a não ser que os EUA diminuam as restrições para que cubanos-americanos visitem a ilha - projeto que tramita no Senado. "Para piorar, o crédito para o governo cubano está se restringindo porque ele deixou de pagar dívidas com países como o Canadá e Japão", afirma o economista cubano Carmelo Mesa-Lago, autor de dezenas de livros sobre a ilha. Ele lembra que Raúl fez visitas à Rússia e à China para abrir novas fontes de financiamento. Mas com esses países preocupados com o impacto da crise em suas próprias economias, pode haver entraves à cooperação. Outro grande problema para a ilha é que a ajuda venezuelana - que, segundo algumas fontes, chega a US$ 6 bilhões - não durará para sempre. Hoje, a troca é generosa para Cuba: Havana envia 30 mil professores, médicos e engenheiros para trabalhar na Venezuela e países aliados e recebe, como pagamento, 92 mil barris de petróleo diários. "Por causa da crise, Chávez está tendo de reduzir seus gastos e chegará a hora em que precisará escolher entre cortar a ajuda a países aliados ou programas sociais na Venezuela", diz Mesa-Lago. No último ano, Raúl anunciou uma reforma no sistema de salários para ajustar o ganho dos trabalhadores a sua produtividade. "Socialismo significa justiça social e igualdade, mas igualdade de direitos e oportunidades, não de renda", disse em setembro, prometendo um socialismo "realista". O presidente cubano também anunciou a descentralização da gestão da agricultura e derrubou proibições de peso simbólico na ilha. Agora, os cubanos podem comprar aparelhos eletrônicos, como computadores e celulares e frequentar hotéis, antes exclusivos para turistas. O que não quer dizer que consigam fazer tudo isso, já que o salário médio na ilha ainda é US$ 24. Frustraram-se os que esperavam mudanças mais radicais na economia cubana. Até agora não houve abertura, nem incentivos substanciais ao setor privado. Além disso, nos últimos meses, os anúncios de reformas foram congelados e as únicas promessas de mudanças vieram do governo do americano Barack Obama, que se diz disposto a flexibilizar as relações com Cuba. "Nesse período, aparentemente, Raúl fez uma reavaliação da situação e agora está reestruturando suas forças para responder à crise", afirma Mesa-Lago. Segundo o economista, o presidente cubano tem duas opções: endurecer o regime para continuar fazendo apenas mudanças cosméticas, sem se preocupar com questões políticas, ou optar pela abertura. "Para o bem da ilha, esperamos que escolha a segunda opção", diz.

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