BOGOTÁ —Pelo menos 18.667 crianças e adolescentes foram recrutados à força pela guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em 20 anos de conflito armado na Colômbia, sendo submetidos a abusos e tratamento cruel que podem ser considerados crimes de guerra, denunciou um tribunal de paz colombiana na terça-feira.
A investigação do Juizado Especial para a Paz (JEP), que convocou 26 ex-guerrilheiros das agora desmobilizadas Farc a prestar depoimento, está relacionada ao chamado caso 07, que investiga o recrutamento e o uso de menores pelo antigo grupo rebelde.
“Estamos perante uma política sistemática, implementada de forma sistemática através de várias práticas que levaram à instrumentalização e a degradação de crianças que foram utilizadas de várias formas pelas Farc”, afirmou o presidente do JEP, Juiz Eduardo Cifuentes, em uma entrevista coletiva.
Ele disse que o universo de crianças recrutadas no conflito pode ser ainda maior. “Esse foi sem dúvida um dos fatos mais graves cometidos no conflito”, acrescentou.
A magistrada relatora, Lily Rueda, revelou que o número foi obtido a partir do cruzamento de 31 bases de dados de grupos de vítimas e do Estado, além do depoimento de 274 pessoas recrutadas à força.
Rueda anunciou que, no âmbito da investigação sobre o recrutamento de menores entre 1996 e 2016, serão apurados vários comportamentos associados, como violência sexual e de gênero, desaparecimentos forçados, homicídio, tortura cruel e tratamento degradante.
“O tribunal vai determinar se esses atos associados ao recrutamento de menores constituem crimes internacionais”, disse a magistrada. A investigação estabeleceu que a maioria dos menores recrutados, 52,85%, tinha entre 15 e 17 anos.
O recrutamento forçado de crianças e adolescentes continua sendo uma prática utilizada na Colômbia por grupos armados ilegais, que os utilizam como soldados, escudos humanos e escravos sexuais em meio ao conflito armado do país, segundo o governo.
Os números revelados pelo tribunal superam os registros anteriores do governo, que afirmam que, entre 1985 e 2020, mais de 7.400 crianças e adolescentes foram vítimas de recrutamento forçado na Colômbia, e cerca de 16 mil morreram durante o conflito armado.
O JEP faz parte do acordo de paz assinado em 2016 com a guerrilha desmobilizada das Farc, com o objetivo de encerrar um conflito que deixou 260 mil mortos. O acordo permitiu a desmobilização de cerca de 13 mil integrantes do grupo rebelde. Alguns guerrilheiros dissidentes rejeitam o pacto e continuam a luta armada contra o governo.
O tribunal de paz pode impor penas mais leves do que as do sistema de justiça comum em troca de verdade, justiça e reparação.
O JEP também investiga casos relacionados a sequestros sistemáticos pelas Farc e execuções extrajudiciais de civis, apresentados pelos guerrilheiros como rebeldes mortos em combate por militares.
Não houve comentários imediatos de ex-líderes das Farc sobre o anúncio do tribunal. No passado, ex-comandantes afirmaram que, embora houvesse recrutamento de menores, a prática não obedecia a uma política generalizada e que muitos se somavam às fileiras rebeldes em busca de proteção e na fuga da pobreza.