Reconhecimento da burguesia será decisão histórica na China

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Por Agencia Estado
Atualização:

O reconhecimento formal da burguesia capitalista nascente como nova expressão do poder institucional constituirá, talvez, a decisão de maior impacto do 16º Congresso do Partido Comunista Chinês a ser iniciado amanhã em Pequim, com duração de uma semana. Essa entrada do empresariado na estrutura do poder chinês se baseia na doutrina das "três representatividades" concebida pelo atual homem forte da China, o presidente Jiang Zemin, 76 anos. Este limitou, contudo, o alcance da inovação, movido pela obsessão comum aos demais mandatários chineses. Ou seja, nenhum deles ousa defender maior liberalização política na esteira da abertura econômica, por medo de ver reproduzido em Pequim o "cenário Gorbatchev", que levou ao esfacelamento do império soviético e ao fim do regime comunista de Moscou e do Leste Europeu. Por isso, o papel dos empresários ficará confinado às tarefas de modernização do sistema produtivo, dentro da linha traçada pelo governo e pelo partido, não lhes sendo atribuído qualquer espaço ou expressão na área política. Entretanto, para o sinólogo François Godement, do Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), a atual geração de empresários chineses se resigna tranquilamente a tais restrições, pois quase todos eles foram quadros comunistas até recentemente, e se reciclaram no liberalismo com os incentivos da própria cúpula dirigente, a começar pelo filho do presidente Zemin. Não é diferente a atitude dos chineses que acumularam fortuna no estrangeiro e agora investem maciçamente no país, como nota o especialista francês: "A exemplo de seus colegas formados em capitalismo nos bastidores do partido, o maior parte dos integrantes das diásporas chinesas espalhadas pelo mundo defende o statu quo, essa ambígua construção entre Adam Smith e Marx, que lhes assegura lucros colossais numa China em explosiva expansão econômica (16% ao ano na região costeira industrializada)." Na verdade, pelas previsões de Godement e de outros sinólogos europeus, a demanda mais intensa de democratização do regime só deverá ocorrer a médio prazo e ficará por conta de uma conjugação de fatores constituídos pelas novas elites chinesas que estão se formando em universidades estrangeiras (100 mil chineses estudam atualmente nos Estados Unidos, 60 mil na Europa); pela opinião pública interna - com maior acesso aos meios de informação e, portanto, mais apta a realizar análises comparativas - e pelos investidores estrangeiros. "Por motivações diversas, mas confluindo para o mesmo objetivo, essas três vertentes de atores sociais e econômicos irão acelerar as pressões politicas à luz do consenso de que a liberalização econômica, a partir de certo nível de complexidade das atividades produtivas, só poderá alcançar os melhores resultados se houver a democratização da política, capaz de reabilitar os valores individuais ainda não reconhecidos nos discursos oficiais", disse. Já outros sinólogos, como Benoït Vermander, autor de "A China em Face da Globalização", acreditam que, para exorcizar o "espectro Gorbatchev" com seus apelos por um liberalismo à ocidental, a velha guarda dos mandarins vai tentar favorecer a adoção paulatina de uma variante moderna do modelo político confucionista. Variante que combinaria, dentro do sistema da livre iniciativa, as tradições culturais seculares de respeito à autoridade dos dirigentes e dos educadores com o cuidado e a compaixão pelas camadas mais desfavorecidas da população. Mas tais preocupações doutrinárias, como nota Godement, não entram na pauta de discussões do 16º Congresso, que vai tratar sobretudo das mudanças a serem operadas na direção do PCC e do governo. Considera-se como certa a substituição de Jiang Zemin por Hu Jintao, 59, na secretaria geral do partido. Zemin deverá, todavia, manter, além da presidência da República (até 2003) o comando da Comissão Central Militar e, indiretamente, por meio de seus protegidos, o controle do Politburo, principal órgão da hierarquia comunista. Por sua vez, o atual primeiro ministro Zhu Rongji, 74, cederá o cargo provavelmente ao seu discípulo Wen Jiabao, 60, retirando-se da cena política. No entender dos especialistas, as substituições nestes postos não afetarão em particular a continuidade da política internacional da China, traçada por Zemin e sobre a qual ele permanecerá exercendo plena autoridade na condição de presidente da Comissão Central Militar. A esta incumbe o trato de questões essenciais, como Taiwan, a modernização das forças armadas, etc. Como observa o especialista francês, o poder real que Zemin conservará tem na diplomacia um de seus esteios. Visto o fascínio incontido dos chineses pelos Estados Unidos, Zemin goza de grande popularidade no país, "pela maneira hábil, estável e previsível" com que conduz as relações de Pequim com Washington. "Mesmo os piores inimigos de Zemin o consideram imprescíndivel nesta tarefa, ainda por muito tempo".

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