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Reconstrução decepciona os iraquianos

País precisa investir US$ 50 bilhões para atender demanda de energia

Por Mariana Della Barba
Atualização:

Reclamar de falta de energia num país assolado por carros-bomba pode parecer absurdo. Mas a demanda fica mais compreensível ao se pensar que os iraquianos que sobrevivem ao inferno de Bagdá durante o dia chegam em casa à noite, em meio a um calor de quase 40 graus, e não podem nem ligar o ventilador. Se antes da invasão eles tinham em média 20 horas de eletricidade por dia, hoje esse período não passa de 6 horas. A falta de energia elétrica é apenas um dos exemplos de como a infra-estrutura iraquiana continua dilapidada e ainda está longe de atingir as metas fixadas pelos Estados Unidos antes da guerra. Uma das maiores promessas americanas, a reconstrução do país virou uma das piores decepções dos iraquianos. E o cenário é, na maioria das áreas, pouco promissor. Os setores de petróleo e eletricidade ainda precisam de investimentos de mais de US$ 50 bilhões para suprir a demanda, mesmo após os EUA terem injetado US$ 6 bilhões nessa área desde 2003, de acordo com o Escritório de Supervisão do Governo americano (GAO, na sigla em inglês). E essa quantia terá de vir dos próprios iraquianos, já que a fase de reconstrução bancada pelos EUA está próxima do fim. Pelas estatísticas da comissão, que consultou autoridades americanas e iraquianas, pode demorar até 2015 para que o país consiga produzir os 6 milhões de barris de petróleo por dia para que os moradores de Bagdá possam ligar seus ventiladores quando bem entenderem. A produção de petróleo é praticamente a única fonte de renda do Iraque. A exportação do produto equivale a 90% da receita do governo. Mas, sem eletricidade para alimentar as refinarias, a indústria do petróleo pára. E, sem petróleo, não há como gerar energia nas centrais elétricas. E enquanto esse círculo vicioso não for consertado, toda a economia e a infra-estrutura do Iraque vão continuar estagnadas. "Olhe para qualquer indicador social, de energia elétrica a educação, de segurança a saúde: é um desastre total", disse ao Estado, por telefone, Juan Cole, especialista em Iraque e professor de história do Oriente Médio na Universidade de Michigan. A lista de obstáculos na produção e fornecimento de energia é longa. "As estações elétricas são constantemente sabotadas por milícias sunitas, os fios de cobre são roubados e a corrupção é generalizada, não só entre os empreiteiros iraquianos, mas também entre os americanos", afirmou Cole, autor de mais de dez livros sobre história, religião e política dos países islâmicos. A falta de planejamento dos EUA para a reconstrução do Iraque é apontada como uma das causas para os problemas de infra-estrutura no país. "Há também a falta de realismo. Há nos EUA muitos profissionais especializados em reconstruir países devastados pela guerra, que tinham experiência na Bósnia, por exemplo", explica Cole. "Mas Bush ignorou todos eles." Assim, segundo o professor, os americanos quiseram fazer tudo a seu modo. "A idéia era implementar equipamentos e processos de ponta, mas os iraquianos não têm como mantê-los. Eles usam técnicas locais, mais simples, as mesmas que utilizaram para reconstruir o sistema elétrico do país após a Guerra do Golfo." Michael O?Hanlon, especialista em assuntos militares do Instituto Brookings, diz que não se pode culpar apenas os projetos dos EUA para o caos na infra-estrutura do Iraque. "Nosso principal problema foi que deixamos a violência se enraizar em todas as áreas", disse o analista. Responsável por um extenso relatório, divulgado em agosto, sobre indicadores econômicos e sociais do Iraque, O?Hanlon destrinchou os dados num país em que as estatísticas são sempre polêmicas. Seu estudo revela, por exemplo, o caos nos hospitais. "O sistema de saúde está incrivelmente debilitado. Dos 34 mil médicos que viviam no Iraque antes da ocupação, 12 mil fugiram e 20% dos 2.250 que se formam por ano costumam deixar o país", explica. A situação nas escolas ainda é um mistério. "Os dados educacionais são difíceis de interpretar. Estou esperando mais informações para esclarecer a questão." Enquanto o número de alunos matriculados cresceu até 27% em relação a 2002, os que efetivamente freqüentam as aulas não passam de 30%. Uma das estatísticas mais animadoras no relatório de O?Hanlon diz respeito à comunicação. O número de pessoas com acesso à internet saltou de 4.500, antes da guerra, para 261 mil em abril. O número de usuários de telefones (linhas fixas e celulares) subiu de 833 mil para quase 10 milhões. Se para O?Hanlon e outros analistas esse crescimento demonstra uma melhora na economia iraquiana, Cole dá de ombros. "Isso não significa nada, já que o Iraque praticamente não tinha telefonia, então qualquer aumento em relação a zero é gigantesco." Para ele, usar a internet não está na lista de prioridades dos iraquianos. Quem precisa ir a cibercafés tem pouco tempo, já que as lojas fecham às 13 horas por causa da violência; os que têm computador não têm energia.

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