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Reduto de guerrilhas na Colômbia já tem ao menos 25 mil venezuelanos

ONU aponta imigração ilegal na área controlada por ELN e EPL e vários casos de violações dos direitos humanos em região com uma das maiores produções de coca no país

Por Carla Bridi
Atualização:

Um relatório divulgado nesta quinta-feira, 7, pela ONG Human Rights Watch (HRW) denuncia que pelo menos 25 mil imigrantes venezuelanos habitam a região de Catatumbo, no noroeste da Colômbia, e têm sido vítimas dos casos de violações aos direitos humanos causados pela ação de três grupos armados que controlam a região.

Os dados divulgados no documento foram recolhidos em 80 entrevistas realizadas em abril de 2019 com moradores da região, além de números cedidos pelo governo da Colômbia e estimativas feitas pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA-ONU).

Venezuelano mostra as mãos após trabalhar na colheita de folhas de coca em Tibú, no Catatumbo, Colômbia, em abril de 2019 Foto: Reprodução/Human Rights Watch

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O relatório aponta que os 295 mil habitantes distribuídos em 11 municípios em Catatumbo – historicamente uma das áreas mais violentas da Colômbia e sobre a qual até hoje o Estado não tem controle pleno – têm vivenciado aumento no número de homicídios, deslocamentos forçados, sequestros, exploração sexual, jornadas de trabalho abusivas em campos de plantação de coca e coação.

A violência em Catatumbo é uma realidade para os moradores desde a década de 70, quando o Exército de Libertação Nacional (ELN) chegou à região. Hoje, cerca de 400 homens estão espalhados pelos municípios, disputando o espaço com outros 200 guerrilheiros do Exército Popular de Libertação (EPL), além de poucos dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que controlavam a região até o acordo de paz de 2016.

Mais de 40 mil pessoas foram vítimas de deslocamento forçado pelas guerrilhas desde 2017. Em relatos anônimos, os moradores afirmam que sofreram ameaças de morte ou de recrutamento forçado, e a alternativa apresentada pelos guerrilheiros foi a fuga.

Uma moradora da região, sob o pseudônimo de Lucía, relata que foi sequestrada com a filha de 12 anos no início de 2019 por dois homens armados e uniformizados. A menina havia recebido presentes durante o ano anterior de um membro da ELN habitante de sua cidade. “Dois homens armados levaram eu e minha filha de 12 anos à força para uma casa. Perguntei porque estávamos ali, e disseram que iam levar minha filha com eles. (Uma hora depois) nos abandonaram em uma estrada. Avisaram que nós tínhamos de sair da cidade ou me matariam e recrutariam minha filha”.

O índice de homicídios na região aumentou 51% de 2015 a 2018. Neste ano, 77 civis foram assassinados até julho, segundo a OCHA. Entre os desaparecidos, houve registro de 24 casos em 2018, em relação a 11 em 2016. O número total de casos sob investigação entre 2017 e abril de 2019 era 189, muitos deles de anos anteriores.

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A impunidade também alcança os casos de homicídios. De 770 denúncias em Catatumbo, somente 61 levaram à condenação dos responsáveis até abril.

Os venezuelanos também entraram nas estatísticas, apesar de a HRW apontar subnotificação dos casos por medo das guerrilhas ou até mesmo de deportação. Em 2018, a Colômbia deportou 840 venezuelanos.

Apesar da miséria no local – mais de 15% dos habitantes estão em situação de extrema pobreza – as guerrilhas que controlam a fronteira com a Colômbia não exigem documentação para entrar no país, exigindo pagamentos para entrada.

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Venezuelanos e colombianos, especialmente crianças e adolescentes de até 14 anos, conseguem trabalho em jornadas de 14 horas diárias nos mais de 11 mil hectares de plantações de coca, que são o cerne dos conflitos entre as guerrilhas. Muitas vezes a remuneração é dada com um prato de comida.

As mulheres são as maiores vítimas de crimes sexuais. Segundo dados oficiais do governo, 37 pessoas em Catatumbo foram vítimas de "crimes contra a integridade sexual", incluindo estupro, por membros da guerrilha entre 2017 e maio de 2019. A subnotificação dos casos, segundo relatos das vítimas, ocorre por medo de ineficiência das autoridades e ausência de centros de acolhimento para mulheres. 

Posto policial cercado por barricada na cidade de Convención, Catatumbo, Colômbia, em abril de 2019 Foto: Reprodução/Human Rights Watch

A prostituição, que é legal na Colômbia, também acaba sendo um chamariz para venezuelanas que vão em busca de dinheiro, apesar da classe de trabalhadoras do sexo também ser alvo de ameaças dos guerrilheiros. As prostitutas atuam em clandestinidade nas regiões onde as Farc proíbem a prostituição, o que impede o acompanhamento das circunstâncias de trabalho por organizações internacionais, e caso transmitam alguma doença sexualmente transmissível aos guerrilheiros, também sofrem ameaças. 

Meninas venezuelanas, entre 12 e 15 anos, costumam receber 5 mil pesos colombianos por relações sexuais com adultos, o que equivale a US$ 2.

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A polícia é ineficiente na região. Em maio de 2018, havia 800 policiais restritos majoritariamente a áreas urbanas de Catatumbo, mesmo 82% da região ser tomada por áreas rurais. Barricadas costumam ser feitas em volta das estações policiais para proteção contra os guerrilheiros. Os relatos de moradores indicam que as guerrilhas impõem mais poder e controle social do que a polícia nacional, fazendo com que questões relacionadas à segurança sejam relatadas aos grupos armados.