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Reforma vira pesadelo de Obama

Campanha de desinformação dos republicanos põe em risco a criação de um sistema público de saúde nos EUA

Por Patrícia Campos Mello e WASHINGTON
Atualização:

A reforma do sistema de saúde americano, maior prioridade doméstica do governo democrata, transformou-se em um pesadelo político para o presidente Barack Obama. Primeiro, foram as hordas de conservadores invadindo assembleias sobre o tema, aos berros, munidos de fotos de Obama com bigode de Hitler. Para apaziguar a direita e os democratas moderados, Obama ensaiou abandonar a ideia de criar um plano de saúde estatal, o principal alvo das críticas. Mas isto desagradou os ativistas de esquerda - os mesmos que ajudaram a elegê-lo -, que logo se juntaram ao coro dos descontentes. Ou seja, a reforma é uma proeza: galvanizou a direita e inflamou a esquerda contra o governo. Segundo pesquisa do jornal Washington Post e da rede de TV ABC News, divulgada na sexta-feira, apenas 49% dos americanos acham que Obama tomará as decisões certas para o país - eram 60% quando o presidente completou cem dias de governo. Metade dos entrevistados desaprova a maneira pela qual Obama conduz a reforma do sistema de saúde. Os republicanos deram um banho em Obama no quesito eficiência de comunicação. A campanha de desinformação começou no Facebook de Sarah Palin, ex-candidata a vice-presidente na chapa do republicano John McCain. Ela escreveu que as pessoas "terão de se submeter aos comitês da morte de Obama para que burocratas decidam se o paciente terá direito a receber atendimento médico de acordo com julgamento subjetivo sobre o nível de produtividade da pessoa na sociedade". O senador republicano Charles Grassely, que antes dizia participar do esforço bipartidário, abandonou o barco. Ele disse em uma assembleia em Iowa que as pessoas "têm todo o direito de ter medo". "Não deveria existir um comitê do governo que determina quando devemos desligar as máquinas que mantêm a vovó viva", disse. As declarações se referem à proposta de que o aconselhamento de doentes terminais seja reembolsado pelo Medicare - hoje, os pacientes precisam pagar do próprio bolso para discutir com um médico opções em caso de doença grave. Outra proposta é a formação de conselhos para julgar quais são as práticas médicas mais eficientes para eliminar desperdícios no sistema de saúde. A ideia foi distorcida e difundida como sendo objetivo do governo "negar tratamentos que forem muito caros para gente muito velha". "Se você precisar de um implante de quadril, e já tiver 75 anos, o governo não autorizará a cirurgia", disse o senador republicano Jon Kyl. O Investor?s Business Daily chegou a publicar um editorial dizendo que a reforma de Obama resultaria em um sistema de saúde semelhante ao da Grã-Bretanha, onde o governo oferece tratamento médico se achar que vale a pena salvar sua vida. "Pessoas como o cientista Stephen Hawking (que sofre de doença de Lou Gehrig há décadas e está paralisado) não teriam nenhuma chance na Grã-Bretanha", dizia o texto. O problema é que Hawking de fato vive na Grã-Bretanha e tem recebido tratamento do sistema de saúde público do país. DESINFORMAÇÃO A campanha de desinformação é tão eficiente que uma pesquisa recente da NBC mostrou que 45% dos americanos acreditam que a reforma implementará realmente "comitês da morte". "O governo tem sido de um amadorismo sem tamanho", afirmou o cientista político Terry Madonna, diretor do Centro de Política e Opinião Pública do Franklin and Marshall College. "A Casa Branca fica só na defensiva, tentando explicar tudo o que a reforma do sistema de saúde não é. Assim, conseguiu irritar a direita e a esquerda." O governo parece ter finalmente chegado à conclusão de que os republicanos não apoiarão a reforma. "Acho que os líderes republicanos decidiram não apoiar pensando que conseguiriam repetir o que ocorreu em 1994, quando Bill Clinton fracassou em sua tentativa de reformar o sistema de saúde e os republicanos venceram nas eleições legislativas", disse Obama na semana passada. O governo tenta reunir os votos de sua própria base democrata, mas não será fácil, porque a esquerda se considera traída. "Se não tivermos um seguro de saúde público, será mais do mesmo. Não há razão para reforma", disse ao Estado a ativista Deborah Schumann, que participou de um protesto em frente ao comitê democrata na quinta-feira. "Os planos privados continuarão cobrando caro e excluindo vários exames por detalhes técnicos." Uma lei sem um plano de saúde público não será aprovada na Câmara, avisou o congressista democrata Anthony Weiner. "Eles estão enfraquecendo a proposta de lei e sua posição negociadora", disse. "Não adianta aprovar uma reforma que não muda nada."

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