
29 de agosto de 2019 | 17h35
A decisão do governo da Argentina de deixar de pagar no vencimento a maior parte da dívida de curto prazo junto a credores institucionais deve ter como consequência política a moderação do discurso do candidato kirchnerista à presidência, Alberto Fernández, avaliam analistas.
Na quarta-feira, 28, o governo do presidente Mauricio Macri decidiu transferir para o vencedor da eleição de 27 de outubro – na qual Fernández é favorito – a conta de US$ 15,5 bilhões, num momento em que as reservas internacionais do BC estão avaliadas em US$ 57 bilhões.
“As divisas que sairiam do BC ficarão com o governo, com poder de fogo para estabilizar o peso. Isso deve induzir induzir Fernández a cooperar com o plano de estabilização de Macri”, disse ao Estado o cientista político Ignacio Labaqui, da Universidade Católica de Buenos Aires (UCA).
“Se a perda de reservas continuasse, Fernández receberia um governo com poucos dólares para estabilizar a economia a partir de dezembro", acrescenta.
A vitória de Fernández nas primárias do meio do mês provocaram uma onda de turbulência nos mercados argentinos, com desvalorização do peso, aumento do risco país e crescimento do vencimento da dívida de curto prazo, motivados pelo temor de um governo avesso aos investidores.
A medida anunciada por Macri, no entanto, não deve render dividendos políticos. “O cenário eleitoral não deve mudar muito, mas o governo deve ter mais recursos para manter a estabilidade cambiária”, analisa Labaqui.
“A instabilidade do câmbio tem muito peso junto aos eleitores. Pode haver saques de reservas em dólares por parte da população, com certo nervosismo, a exemplo do que ocorreu antes das primárias", conclui.
Para Facundo Galván, também da UCA, a instabilidade política e econômica deve marcar a disputa eleitoral até o final, mesmo com o favoritismo de Fernández. “Desde as primárias, já aconteceurammuitas coisas. O tempo da política se acelerou e diversos fatos políticos que polarizaram o discurso ocorreram”,ressalta.
“Claro que os discursos tendem a jogar a culpa para o outro campo ideológico, mas é cedo para fazer prognósticos”", avisa.
Crítico do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), Fernández defendia uma renegociação com o Fundo Monetário desde sua vitória nas primárias. Segundo ele, as condições colocadas na negociação entre a instituição e Macri não estão mais presentes. O candidato, no entanto, não chegou a defender um calote na dívida.
“Fernández está numa situação muito complicada. Tem que criticar o acordo para agradar a base mais radical e moderar-se para reestruturar a dívida”, avalia Michael Shifter, do Diálogo Interamericano.
O mercado financeiro teme que Fernández adote as mesmas políticas de sua candidata a vice, Cristina Kirchner, que em seus dois mandatos congelou preços, subsidiou tarifas, controlou o câmbio e aumentou barreiras alfandegárias. Nos últimos meses, no entanto, o próprio Macri acabou congelando alguns preços e subsidiou alguns programas estatais.
A crise econômica argentina se agravou a partir de abril do ano passado, em consequência de uma fuga de capitais que levou a Argentina a recorrer a um empréstimo de US$ 56 bilhões ao FMI, em troca de um duro programa de ajuste fiscal.
Atualmente, o pais está em recessão, com um terço da população abaixo da linha de pobreza, 10,1% de desempregados e uma inflação anualizada estimada em 25%.
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