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Artigo: Republicanos esqueceram raízes

O projeto para substituir o Obamacare foi elaborado por pessoas de visão tacanha, que só entendem a lógica de Washington, mas não a lógica nacional ou da vida real

Por David Brooks
Atualização:

Leis podem ser elaboradas de baixo para cima ou de cima para baixo. No primeiro caso a pergunta é: quais são os problemas enfrentados pelos eleitores e como podem ser resolvidos? Quando é de cima para baixo a indagação é: quais são os problemas dos políticos e como podem ser resolvidos?

O projeto de lei que pretendia substituir o Obamacare é um claro documento de cima para baixo. Não foi redigido para atender às reais necessidades dos eleitores no âmbito da saúde. Não é apoiado pelos eleitores americanos, nem foi concebido de acordo com os interesses deles. Foi elaborado pelas elites para atender às necessidades das elites. Donald Trump prometeu limpar o lodaçal de Washington, mas esse projeto de lei é pura sujeira.

Nancy Pelosi, líder da minoria democrata na Câmara, e companheiros de partido festejam retirada do projeto de lei que substituiria o Obamacare Foto: Drew Angerer/AFP

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Em primeiro lugar, os líderes do establishment republicano precisavam de alguma coisa que pudessem qualificar como revogação do Obamacare – qualquer coisa. Ficou claro, à medida que o processo legislativo avançou, que não existe nenhuma visão global de como reformular a assistência à saúde.

Em segundo lugar, Trump precisava de uma vitória. Quanto aos efeitos dessa vitória para a nação, não têm nenhuma relevância. Os esforços para a lei ser aprovada não tinham a ver com a substância. Tudo girava em torno de Trump – oferecer a ele uma carapaça, aprimorar suas credenciais como presidente. O lobby feito por ele revelou seu narcisismo vulgar.

Em terceiro, o projeto de lei foi elaborado por pessoas de visão tacanha, que só entendem a lógica de Washington, mas não a lógica nacional ou da vida real. Eles poderiam ter elaborado um projeto de lei que acabasse com os perversos pagamentos de tarifas por serviços prestados que elevam os custos da saúde, ou ampliasse o seguro-saúde para a classe média e trabalhadora. Mas essa visão mais ampla está muito distante dos redatores. O resultado foi um projeto confuso e pomposo que não deixou ninguém satisfeito.

Em 24 horas de maquinações terríveis, o governo se dispôs a eliminar trechos do projeto sem considerar o que era substancial e quais seriam as implicações. Os membros da Câmara estavam apressados em aprovar o projeto de lei mesmo que trechos importantes ainda pudessem ser alterados e ninguém tivesse tido tempo de ler. 

Eu me opus ao Obamacare. Prefiro contas de poupança de saúde, créditos fiscais e mercados competitivos no âmbito da saúde para reduzir os custos. Mas o plano republicano aumentaria o sofrimento, as doenças e as mortes na classe média e pobre para proporcionar cortes de impostos para os ricos. Esse projeto de lei adotou os estereótipos progressistas mais mesquinhos sobre a direita e os transformou em lei. Não surpreende que, de acordo com a mais recente pesquisa Quinnipiac, só 17% aprovem o “Trumpcare”. Ele é muito mais impopular que o Obamacare.

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Se vamos ter uma revolta populista, você poderia imaginar que alguém pelo menos estaria interessado em ouvir a sociedade. Mas com esse projeto de lei a liderança republicana estabeleceu um novo recorde de velocidade em termos de esquecer de onde você veio.

O problema central dos republicanos é este: eles não conseguem gerir os planos de governo concebidos pela Casa Branca porque o responsável por ela é um sujeito especialista em marketing. Mas também não o conseguem no Capitólio porque o Congresso não tem visão e está internamente dividido, levando a uma situação em que a política decide o que é substancial, não o contrário. A nova elite é pior que a velha – e certamente mais irrelevante. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO  É COLUNISTA

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