HAVANA - Os cubanos costumam brincar que de todas as lições que aprenderam vivendo três gerações sob o regime comunista, a mais importante de todas é saber esperar. Então, causa alguma surpresa que, à medida que o capitalismo se insinua - a introdução da propriedade privada criou um mundo próspero de restaurantes -, as pessoas estão descobrindo, para seu desalento, que elas precisam de reservas para ir aos lugares preferidos.
Esse é apenas um entre os muitos transtornos que donos de restaurantes e fregueses estão enfrentando enquanto dois mundos econômicos colidem na nova Cuba, mais favorável aos Estados Unidos. "Até seis meses atrás, eu conseguia ir a qualquer lugar com duas pessoas e comer nos melhores restaurantes de Havana sem problemas", disse Imogene Tondre, de 34 anos, coordenadora cultural nascida nos EUA que mora na cidade há seis anos e é casada com um cubano.
"Agora quem leva grandes grupos turísticos sempre faz reservas. E até mesmo os restaurantes mais voltados para a população cubana vivem lotados", afirma Imogene.
Muitos cubanos estão chocados. "Eles chegam e perguntam: 'O quê? Eu preciso reservar com um dia antecedência? Isso é ridículo!'", disse Amy Torralbas, de 31 anos, dona do Otramanera, restaurante ultramoderno que serve uma mistura de culinária cubana e mediterrânea.
À primeira vista, o problema não seria a falta de lugares para comer. Antonio Diaz, professor de Economia da Universidade de Havana, estimou que várias centenas de restaurantes viáveis surgiram desde 2011, quando o governo afrouxou as fortes restrições aos restaurantes particulares, chamados paladar. Assim, surgiu uma ampla gama de culinárias, de frutos do mar ao estilo espanhol ao sushi japonês, refletindo os desejos de um público com um paladar a cada dia mais cosmopolita.
Todavia a demanda também está crescendo exponencialmente, graças ao fluxo de turistas internacionais - 3,52 milhões em 2015, entre eles 161 mil dos Estados Unidos, praticamente o dobro do número de americanos em 2014, segundo a agência de notícias Reuters. E embora os proprietários tenham mais liberdade do que em qualquer momento desde a década de 1950, ainda têm de lidar com regras por vezes absurdas que acompanham o fato de se ter uma empresa privada em um país comunista. Segundo a lei, por exemplo, os restaurantes são limitados a 50 lugares.
A economia da ilha usa duas moedas: o peso conversível (CUC), destinado principalmente a turistas, e o peso local (CUP), utilizado pelos cubanos nas transações diárias. Os restaurantes devem trabalhar com os dois, aceitando pagamentos principalmente em CUC e usando o CUP para compras e pagamento de salários.
Um dono de restaurante interessado em abrir uma segunda casa se depara com restrições à propriedade privada que limitam um lugar por indivíduo em Havana e outra unidade em qualquer outro ponto da ilha. Os empresários que sonham com impérios da alimentação driblam tais leis explorando brechas e trocando escrituras entre os familiares.
Sem mencionar a batalha de manter um negócio de comida em um país sem instituições como mercados atacadistas e onde os produtos básicos muitas vezes estão em falta.
"Se eu quiser comprar um quilo de café, às vezes, preciso ir a duas, três ou seis lojas de Cuba. É a mesma coisa com açúcar, arroz, as bebidas, com tudo", contou Renan Cesar Alvarez, de 74 anos, dono do La Cocina de Esteban, restaurante muito bem iluminado que serve culinária italiana, espanhola e cubana a poucas quadras da Universidade de Havana.
Ao mesmo tempo, os donos se esforçam para atender as expectativas do mundo ocidental. As lanchonetes estatais são famosas pelo atendimento lento que consiste basicamente em os garçons informarem aos fregueses o que não está disponível no cardápio. Os restaurantes modernos geralmente empregam garçons entusiasmados, normalmente universitários ou recém-formados atraídos pela chance de ganhar uma relativa fortuna com as gorjetas - o salário médio mensal em Cuba gira em torno dos US$ 25.
"Eu prefiro gente sem experiência. Prefiro ensinar a atender", disse Niuris Ysabel Higueras Martínez, de 41 anos, dona do Atelier, que se espalha por vários cômodos cheios de arte e o terraço de uma mansão no bairro Vedado.
No Otramanera, os garçons conhecem o cardápio, vinhos e o fato surpreendente de que alguns estrangeiros não comem carne. "Em Cuba, não havia uma cultura culinária, e agora estamos aprendendo sobre entradas, prato principal, o vinho que acompanha a comida. Por exemplo, aqui não existiam muitos vegetarianos; não sabíamos nada sobre o assunto. Então, agora estamos aprendendo a nos preparar para esse tipo de cliente", disse Amy.
Alguns hábitos europeus e americanos estão claramente se espalhando entre os clientes cubanos: os fanáticos por comida donos de celulares podem baixar aplicativos como o AlaMesaCuba, que permite conhecer e classificar os novos restaurantes do país.
"É uma mudança completa na cultura do consumo. Alguns desses restaurantes existem há 25 anos e nunca houve como classificá-los antes. As pessoas estão começando a reconhecer seu poder", declarou Imogene.
E até mesmo os cubanos que podem pagar uma refeição em um restaurante estão aprendendo rapidamente que não existe garantia de se conseguir reservar uma mesa com dias ou semanas de antecedência em vários dos restaurantes mais populares.
Delia Coto, de 48 anos, diretora de teatro de Havana que almoçava no Otramanera, disse: "Somos um país espontâneo, mas as pessoas vão ter que se acostumar com isso. Teremos que aprender a planejar com antecedência".
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