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Resistência iraquiana pode pôr à prova estratégia de Bush

Por Agencia Estado
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Uma das premissas do plano de guerra que os Estados Unidos estão executando desde a última quarta-feira no Iraque é que os iraquianos receberão seus soldados de braços abertos, gratos pelo fim da ditadura que os atormenta há mais de 20 anos. Cenas de acolhida calorosa das forças invasoras pelo iraquianos são estrategicamente importantes por pelo menos duas razões. A primeira é convencer os iraquianos e demonstrar aos críticos da ação americana, nos EUA e no resto do mundo, que esta é uma guerra de libertação e não de ocupação. Uma boa recepção às tropas pelos iraquianos ajudaria, também, a apressar o colapso do regime de Saddam Hussein antes de as tropas chegarem a Bagdá e a limitar o número de baixas do conflito, que é crucial tanto para o sucesso político da guerra como do complicado pós-guerra que os EUA terão de administrar, como potência ocupante de um país muçulmano de 24 milhões de habitantes e 11 mil anos de história. Tais imagens, contudo, continuavam escassas, seis dias depois de as primeiras bombas terem caído sobre a capital iraquiana. A não ser por cenas de meninos sorridentes acolhendo as tropas britânicas no porto de Umm Qasr, no sábado, e por alguns encontros amistosos entre soldados americanos a caminho de Bagdá com grupos isolados de civis iraquianos, não havia maiores indícios da esperada gratidão dos invadidos ao invasor. O significado das cenas de Umm Qasr foi posto em questão no domingo, quando soldados americanos passaram a enfrentar resistência numa cidade que, supostamente, já estava sob seu controle. Perguntado a respeito, hoje, o chefe do Comando Central americano, general Tommy Franks, disse que as tropas tinham deliberamente contornado Umm Qasr, Basra e outras cidades do sul do Iraque, em sua marcha sobre Bagdá, e que "operações de limpeza" dos bolsões de resistência seriam conduzidas nos próximos dias. Com as primeiras colunas da 3ª Divisão de Infantaria praticamente às portas de Bagdá, Franks acusou as forças iraquianas de colocar soldados de um corpo de elite da Guarda Republicana de Saddam Hussein junto com civis e usar estes como escudos humanos, o que classificou de "um crime". O general indicou que a atitude das populações das cidades nas áreas já sob controle das forças americanas e britânicas mudará com a chegada da ajuda que está a caminho. "Vários navios estão carregados com assistência humanitária e começarão a entregar comida, água e remédios aos iraquianos nos próximos dias", disse Franks. "Ele está procurando apresentar a melhor face da situação", disse em Nova York o general da reserva Bernard Trainor, um crítico da decisão do presidente George W. Bush de ir à guerra que atua como analista militar da MSNBC. "O fato é que esperávamos ser recebidos com gratidão ou euforia pelos iraquianos, e, em vez disso, estamos sendo recebidos com resistência". A resistência encontrada pelas tropas americanas e britânicas mostram que o regime mantém uma grade de controle da situação e colocam em dúvida a eficácia da operação de guerra psicológica iniciada antes do ataque para conquistar os corações e mentes dos iraquianos. Até hoje, mais de 25 milhões de panfletos de propaganda haviam sido lançados sobre as cidades do Iraque para preparar a população do país para a hora de sua "libertação". Relatos de repórteres americanos que estão em Bagdá sugerem que os iraquianos, por mais que anseiem pelo fim do brutal regime que os oprime e já arrastou o país a duas guerras, não estão dispostos a aceitar de bom grado a invasão e a ocupação de seu país por uma potência estrangeira. Essa foi a mensagem captada pelo repórter Anthony Shahid, do Washington Post, junto a uma família anônima de Bagdá que o recebeu em casa no intervalo dos bombardeios. Aterrorizados pelo estrondo das bombas que caíram na cidade, vários membros da família disseram que Saddam Hussein fez muito mal ao Iraque, mas deixaram igualmente claro nem por isso estão prontos a acolher as tropas invasoras. "Eles denunciaram amargamente a guerra que os Estados Unidos iniciou contra o Iraque, que, talvez, mais do que qualquer outro país árabe, cultiva tradições de orgulho, honra e dignidade", escreveu Shahid. "Para esta família, o assalto (americano) é um insulto: eles dizem que não é Saddam Hussein que está sob a ataque, mas o Iraque". Segundo Shahid, é difícil avaliar se esse é um sentimento comum, mas é algo que ele ouve cada vez mais desde o início da guerra. "Nós reclamamos das coisas, mas reclamar não significa que vamos cooperar com um governo estrangeiro", disse o pai da família. "Quando alguém ataca o Iraque, nós nos levantamos par defender o Iraque; isso não significa que amamos Saddam Hussein, mas há prioridades". A se confirmar, esse tipo de atitude poderá complicar enormemente a tomada de Bagdá pelas forças americanas e britânicas, que começa a se desenhar como a batalha decisiva da guerra para derrubar Saddam Hussein. Uma forte resistência iraquiana ao avanço armado de tropas estrangeiras sobre Bagdá ou um sítio prolongado da capital transformaria a ocupação do Iraque num pesadelo para os Estados Unidos e submeteria à severa prova o apoio dos americanos à estratégia de Bush, que é amplo, mas não profundo. Veja o especial :

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