'Resposta ao populismo precisa vir acompanhada de alternativas'

Para Michael Leigh, ex-diretor da Comissão Europeia, ainda é prematuro vincular derrotas de Boris Johnson e Matteo Salvini a retração dos eurocéticos

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Por Luiz Raatz
Atualização:

As recentes derrotas do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, no Parlamento sobre o Brexit e a saída do ex-ministro do Interior Matteo Salvini na Itália representam vitórias importantes da política tradicional contra a recente onda populista no Ocidente, mas o establishment precisa oferecer soluções satisfatórias aos eleitores europeus se quiser conter definitivamente o avanço da extrema direita na Europa. A avaliação é de Michael Leigh, ex-diretor da Comissão Europeia para expansão do bloco e consultor do think thank German Marshall Fund. Leia trechos da entrevista ao Estado:

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As derrotas de Boris Johnson no Parlamento representam uma ‘insurreição’ da política tradicional contra os populistas?

O Brexit é o populismo com características britânicas. Então, os votos contra o Brexit sem acordo podem, logicamente, ser considerados uma revolta contra o populismo. Apesar disso, as circunstâncias são específica. Os erros de Boris, seu julgamentos equivocados e insultos a membros do próprio partido provocaram uma demonstração excepcional de independência dos conservadores. Isso, além, claro, da consciência deles, levou os rebeldes a colocar os interesses do país acima dos interesses do partido.

Antes de esboçar conclusões, precisamos lembrar que Johnson e seu grupo já abriram o precedente de ir contra o partido em votações anteriores, mesmo quando obrigados a apoiar a primeira-ministra. Então Boris criou o precedente. A diferença é o caráter vingativo que ele adotou depois da derrota, expulsando os rebeldes. 

Existe um paralelo entre as derrotas recentes de Boris Johnson e Matteo Salvini? 

Alguns analistas acreditam que chegamos ao ápice do populismo e citam essas duas derrotas, que são diferentes, como evidência disso. Mas é uma avaliação prematura. Salvini foi deixado de lado - talvez temporariamente - por uma coalizão improvável que pode ter dificuldades de trabalhar junta. Ele perdeu apoio, mas de apenas quatro pontos, segundo as últimas pesquisas.  Ele vai usar esse período na oposição para consolidar e expandir sua base. Caberá ao governo na Itália e à oposição no Reino Unido mostrarem que podem ser alternativas viáveis.

Boris Johnson participa de sessão no Parlamento Foto: Jessica Taylor/House of Commons via AP

Quais foram os principais erros de Boris Johnson?

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Ele buscou iludir as pessoas de que conduziria negociações verdadeiras com a União Europeia, enquanto seu principal assessor admitiu que isso era jogo de cena. Na verdade, ele não apresentou nenhuma ideia nova na mesa de negociações e planejou apenas gastar o tempo até que o Brexit sem acordo se tornasse um fato consumado. Essa tática saiu pela culatra e levou aos votos hostis no Parlamento. Mentir sobre o estágio das negociações foi um erro tremendo. 

Igualmente grave foi demitir os 21 deputados do Partido Conservador que votaram conforme suas consciências. Esse ato de vingança destruiu qualquer traço de confiança de Parlamentares que discordam dele sobre o Brexit. 

Recentemente no Brasil, você previu três cenários possíveis para o Brexit, inclusive uma ruptura sem acordo. O que mudou?

Os três cenários mais prováveis ainda são sair com um acordo, sair sem um acordo ou adiar o Brexit por causa de eleições. Nos últimos dias, esta últimatornou-se mais provável. 

Jo Johnson, irmão de premiê Boris Johnson, anunciou a demissão do governo Foto: Photo/Alberto Pezzali, File)

Como a opinião pública britânica tem reagido às políticas de Johnson e como tem reagido a novas eleições?

De maneira distinta. Ele tem o apoio de defensores de um Brexit radical em seu partido e até na oposição. Mas ele isolou os moderados de ambos os lados. Os conservadores estão à frente dos trabalhistas nas pesquisas, mas é uma liderança instável que pode desmoronar ao longo da campanha 

Como Jeremy Corbyn lida com esse novo cenário?

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Ele conseguiu barrar o Brexit sem acordo junto com outros partidos e tem se oposto à eleição antecipada. Mas ele tem um longo caminho a percorrer para convencer os eleitores que sua agenda radical de esquerda é o que o país precisa

Boris Johnson deixa residência oficial Foto: Henry Nicholls/Reuters

Um segundo referendo tornou-se mais provável?

Os trabalhistas querem que a opção ‘permanecer’ na União Europeia faça parte da consulta final das negociações e isso deve fazer parte da plataforma do partido na próxima eleição. Os defensores do Brexit se opõem a isso, negando os fatos de que o cenário mudou desde 2016. É mais provável, mas menos que uma nova eleição. 

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