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Resta muito trabalho para salvar a primavera árabe

Guerra na Líbia, revolta inacabada no Egito e repressão síria mostram que mudanças passam por avanços e recuos

Por Jim Hoagland
Atualização:

Guerra civil na Líbia, banho de sangue na Síria e tropeções rumo à democracia no Egito tiram o brilho das revoltas árabes que começaram o ano em glória. O verão tem sido uma estação política de reações e retrocessos, mas não é momento para desespero ou para ignorar o significado de longo prazo das mudanças no Oriente Médio. Entramos fundo demais para lavarmos nossas mãos e fingir que podemos ficar de lado enquanto ditadores conseguem o que querem. Americanos e árabes enfrentaram-se em conflitos desgastantes e, às vezes, na linha de fogo. A operação Tempestade no Deserto, de 1991, os ataques de 11 de setembro de 2001 e as revoluções árabes deste ano foram pontos importantes nessa relação. A sublevação que começou na Tunísia chamou a atenção para a disseminação da tecnologia e das redes sociais nas até então isoladas cidades-Estado do mundo árabe. Menos visível tem sido o que vejo como uma lição de história colonial: tenha cuidado com quem você invade ou domina. As pessoas que você tenta governar, mais cedo ou mais tarde, o marcarão. Propagandistas de Muamar Kadafi e de Bashar Assad dizem que fundamentalistas islâmicos levam seus cidadãos às ruas para pedir o fim de seus regimes. Nada poderia estar mais longe da verdade. As ideias e as tecnologias ocidentais tiveram muito mais a ver com o estímulo às revoltas que minaram ditaduras no Egito, Líbia, Síria e com a destruição do Estado repressivo na Tunísia. Os governos que formam a Liga Árabe ganharam respeito mundial em março ao condenar as ameaças de Kadafi de chacinar civis líbios. Eles se cobriram de vergonha ao observar, em silêncio, até domingo, a selvagem campanha de Assad para exterminar seus adversários na Síria, Mesmo assim, não o condenaram claramente, mostrando que a resolução de março foi mais pessoal - dirigida a Kadafi - do que por razões de princípio. O recuo dos padrões humanitários prejudica outros esforços internacionais para pressionar Damasco. A indignação moral de estrangeiros, para não falar de ações militares como as empreendidas pela Otan, dão melhor resultado quando existe uma cooperação política local. A desaprovação árabe não se manifestou mesmo quando Bashar, que um dia fez o Ocidente acreditar que ele era um reformista, agiu exatamente como seu implacável pai, Hafez. A Síria do filho, porém, não é o reduto isolado que o pai governava. Hafez arrasou a cidade de Hama, em 1982, antes de filtrar para Beirute a informação de que cerca de 20 mil pessoas haviam sido massacradas no local. Hoje, o bombardeio à cidade é mostrado na TV via satélite tão rapidamente como os vídeos gravados em celulares conseguem ser postados na internet por uma rede sofisticada de dissidentes sírios. Com o tempo, essas imagens corroerão a legitimidade dos governantes árabes que oferecem socorro a Assad. Mesmo esses Estados policiais são vulneráveis ao vírus da comunicação moderna. A política americana deve continuar condenando o governante sírio e aqueles que o apoiam, incluindo o uso de pressões econômicas. Os EUA e a União Europeia também precisam permanecer envolvidos na revolução inacabada do Egito, que oscila entre a glória da primavera e a desonra de verão no momento em que se envolve em exorcismos políticos. A pressa em julgar um debilitado Hosni Mubarak trai um país tão inseguro para administrar seu futuro que se apressa em revisar seu passado, responsabilizando um homem por todos os seus males. Além disso, ativistas pró-democracia e defensores de direitos humanos no Egito estão sendo cada vez mais apanhados em arrastões policiais e processos sumários em tribunais militares. Um sopro contrarrevolucionário varre o ar do Cairo. Estamos num intervalo espasmódico e não no fim das novas revoluções árabes. Vimos como a tecnologia da informação oferece uma faísca que ateia fogo à insatisfação econômica e social. Isso foi necessário, mas não suficiente, para transformar sociedades desde há muito exploradas por seus governantes. Árabes e americanos ainda têm muito trabalho e entendimento pela frente. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK É COLUNISTA

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