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''Resultado é punição ao Partido Socialista''

Para especialista, grande abstenção indica um aumento da alienação da sociedade em relação aos partidos

Por Andrei Netto
Atualização:

LISBOAENTREVISTAAntónio Costa Pinto, cientista político do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de LisboaO resultado da eleição em Portugal é, sobretudo, uma punição ao partido que está no poder em tempos de crise. Essa é a interpretação do cientista político António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Para ele, o futuro primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, do PSD, cumprirá as políticas de austeridade, um compromisso assumido com a União Europeia e com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Costa Pinto acredita ainda que a abstenção foi a "vencedora" da eleição portuguesa, como uma "progressiva alienação da sociedade em relação aos partidos". A seguir, a entrevista concedida ao Estado. Pedro Passos Coelho será o premiê de Portugal. Como o senhor interpreta esse resultado?Digamos que a única diferença é que a vitória da direita é maior do que as pesquisas apontavam. Confirma-se, nas urnas, a expectativa que se tinha de que o governo seria majoritariamente de centro-direita. Confirma a vitória do PSD sem maioria absoluta e a necessidade de coligações.Coligações, em geral, significam concessões. O senhor acha que haverá grandes concessões da parte do PSD?O resultado implica em poucas concessões. Esses dois partidos estão habituados a governar. Já estiveram no governo de José Manuel Durão Barroso, em 2002, e em outras fases de nossa democracia. Será um governo estável.O senhor acredita na participação do Partido Socialista (PS) em uma coalizão de governo, como julgam possível alguns membros do PSD?Parece-me duvidoso no curto prazo. Até por uma questão de solvabilidade, a não ser que a conjuntura se agrave no futuro. A participação do PS não acontecerá neste primeiro momento.O PS enfrentou uma derrota maior do que a esperada. É uma punição?O primeiro-ministro José Sócrates acaba de se demitir da liderança do PS, o que era natural. O PS passará por um novo processo de eleição interna para a escolha do líder do partido. O importante é que o pacto com a União Europeia (UE), Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional (FMI) será cumprido pelos partidos que vão governar, o PSD e o CDS-PP, e também pelo maior partido da oposição, o PS, que assinou o acordo originalmente. A comunidade internacional pode contar que esse acordo de austeridade será cumprido.A abstenção parece ter sido a grande vencedora das eleições, a julgar pelo índice de 41,2%, superior aos 38,8% obtidos por Passos Coelho.Essa é a tendência da democracia portuguesa nos últimos 20 anos: uma subida mais ou menos lenta, mas consolidada da abstenção. Se as tendências se confirmarem, teremos uma abstenção por volta de 40%. Em Portugal, o voto não é obrigatório. Esse resultado indica uma progressiva alienação da sociedade portuguesa em relação aos partidos e em relação àqueles que têm governado Portugal, ora oriundos do PS, ora do PSD.É esse o ônus de governos que se alternam, sem que haja mudanças significativas no exercício do poder, como em Portugal?Sem dúvida. Mas, apesar de tudo, convém não subestimar o resultado da eleição. Quer à direita, com o resultado obtido pelo CDS-PP, quer à esquerda, com o PC e o bloco de esquerda, que crescerá significativamente. Fica claro que ainda há algum protesto canalizado pelo voto em Portugal. Esse é um movimento significativo.Com Pedro Passos Coelho e a coligação PSD-CDS-PP, podemos considerar que Portugal se alinha a grande parte da Europa Ocidental, que vira à direita? Sem dúvida, mas no sul da Europa há uma diferença: a rotação no poder é uma resposta à crise. Se na Grécia a Nova Democracia, de direita, foi substituída pelo Partido Socialista, em Portugal foi o inverso. José Sócrates realizou o governo mais centrista da história do PS. Ele foi inspirado pelo ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, trabalhista, com políticas sociais de centro, mas de valores à esquerda, como o abordo e o casamento homossexual. O resultado da eleição é, sobretudo, uma punição ao partido que está no poder. Não houve uma revolução. Portugal já passou pela mesma alternância em outros momentos de sua história.

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