Roberta Jacobson: 'Esperamos não ter de adotar sanções contra a Venezuela'

Diplomata americana fala sobre crise em Caracas, esvaziamento da OEA e liberdade de imprensa na região

PUBLICIDADE

Por Lisandra Paraguassu
Atualização:

CARACAS - Subsecretária de Estado dos EUA para as Américas, Roberta Jacobson esteve no Brasil para tratar de acordos bilaterais na área de educação. Responsável por lidar com as relações americanas em todo o continente, ela falou ao Estado sobre a ação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) na Venezuela e mostrou-se cautelosa sobre o avanço na relação com Caracas. A seguir, os principais trechos da entrevista. O escândalo da NSA afetou a relação dos EUA com o Brasil? Acho que a relação hoje é muito madura, porque os dois presidentes realmente trabalharam para enraizá-la nos nossos interesses comuns e acredito que essa relação sobreviveu à questão da NSA. Passamos por um período difícil, mas estamos prontos para retomar o diálogo que começamos. Mas o governo brasileiro esperava um pedido formal de desculpas, o que até agora não houve.Acredito que o presidente Obama tratou disso no seu discurso de janeiro. Ele também foi bastante claro antes disso. Ele lamenta o problema das revelações da NSA, a maneira como isso atingiu outros países e como atingiu os americanos. Ele tem sido claro sobre a necessidade de mudar os procedimentos para que reflitam nossos valores e a importância da relação com amigos como o Brasil. O Brasil atuou na OEA para bloquear uma ação mais firme contra a Venezuela. Isso frustrou os EUA? É verdade que a resolução que saiu da OEA não tem a linguagem que nós esperávamos, mas quando se olha a resolução, dois terços do que está nela são coisas que nós apoiamos: o acordo de que os princípios democráticos devem ser seguidos, que os direitos humanos devem ser observados e, mais importante, que um diálogo verdadeiro entre o governo e a oposição é necessário. Como a sra. avalia a criação de uma comissão de chanceleres da Unasul para mediar o diálogo na Venezuela? A reunião da Unasul em Santiago foi encorajadora porque reconheceu a importância de um mediador externo. Infelizmente, a situação na Venezuela neste momento é tão polarizada que os dois lados não estão sentando juntos. Eles precisam de ajuda. A Unasul reconheceu o fato que alguma ajuda é necessária. É encorajador que a Unasul busque ter esse papel. E, se isso trouxer os dois lados para a mesa de negociações, o governo, a oposição, os estudantes, a sociedade civil, será fantástico. Mas a oposição venezuelana não tem confiança na da Unasul.Não sei qual o grupo de mediadores seria o certo. Não acho que isso seja algo que os EUA ou mesmo a Unasul devam decidir. Se a delegação da Unasul unir todos os atores para abrir essa negociação, será ótimo. E se não for a Unasul, também está ótimo. Mas está claro que, para trazer as duas partes à mesa, terá de ser alguém que os dois lados confiam. Eu acho que ainda estamos tentando descobrir quem pode ser. O secretário de Estado, John Kerry, chegou a dizer os EUA poderiam adotar sanções contra a Venezuela. O que o secretário disse é que nada está fora de questão. Isso não significa que necessariamente levaremos adiante a ideia de sanções. Não podemos saber o que o futuro vai trazer e não vou excluir nada. Isso seria tolo. Eu não sei o que vai acontecer na Venezuela ou qual será a nossa resposta. Obviamente, sanções são um instrumento duro. Esperamos não chegar ao ponto de adotar sanções contra a Venezuela. Maduro disse que quer um novo relacionamento com os EUA. Isso é possível? Nós queremos ter um relacionamento com a Venezuela, queremos que a relação volte a ter foco em áreas que possamos colaborar. Mas isso é muito difícil, francamente. Nossos diplomatas estão sendo expulsos do país por motivos que rejeitamos completamente. Alguns dias depois disso, o presidente Maduro disse que gostaria de apontar um novo embaixador para os EUA. É um tanto difícil, às vezes, acompanhar os sinais venezuelanos. Os EUA têm contato com a oposição venezuelana? Sempre tivemos contato com eles. Da mesma maneira que continuamos tendo contatos com o governo. A acusação de que manipulamos as manifestações é extremamente insultante para a oposição venezuelana, que é capaz de tomar as próprias decisões. Nós falamos com todos. É isso que diplomatas fazem.Com o afastamento de muitos países, a sra. acha que a OEA se enfraqueceu? A OEA ainda é a organização da qual todos os países da região são membros. Ela tem instituições que estão aí há 50 anos, seja a Comissão de Direitos Humanos ou a Corte Interamericana. São instituições que têm processos e transparência. Não é qualquer organização que pode assumir esse papel. Nem a Unasul ou a Celac? Não acho que essas organizações sejam uma ameaça à OEA. Em parte, porque cada uma dessas organizações busca um papel diferente. A Unasul tem sido muito importante, tem expandido seus debates além da política, tem tido muito forte impacto na integração da América do Sul e eu não acho que isso seja ruim. A Celac ainda é bastante nova. Para mim, ela é um importante fórum político para os líderes da região e não há nada de errado nisso. Existe uma ameaça à liberdade de imprensa na região? Sim. Basta olhar para algumas das situações enfrentadas pelos jornalistas no continente. Em alguns casos, há organizações de mídia que estão sob crescente pressão, seja em casos que estão sendo empurrados para fora do negócio ou situações em que a mídia é ameaçada por organizações que não são do governo, como narcotraficantes, no México. A justificativa é a tentativa de diminuir a concentração das empresas de mídia. Há argumentos de que a propriedade das empresas de mídia é concentrada em alguns países e algumas ações dos governos para quebrar esse monopólio podem parecer pressão contra a imprensa. Mas, no fim, a resposta para a concentração na mídia é mais democracia. É mais mídia, não menos. É preocupante que estejam fechando espaços políticos para jornalistas no continente com ações judiciais contra empresas de mídia. Há alguma chance de mudança na relação entre EUA e Cuba?Obama deixou claro que ele gostaria de uma relação diferente com Cuba. Nosso problema nunca foi com o povo de Cuba, mas com o governo cubano. O presidente acredita que devemos fazer mais para nos aproximarmos da população, para eles entenderem e compreenderem os EUA.As reformas em Cuba são um bom sinal? Reconhecemos que as coisas estão mudando, especialmente na economia. Mas, se você olhar para o que aconteceu em Cuba durante a preparação para a Celac, vê que algumas coisas não mudaram. Ativistas de direitos humanos foram presos e apanharam até o fim da reunião da Celac e os líderes que estavam lá não falaram nada sobre isso. Para nós, isso foi muito decepcionante.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.