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Rompidos com Correa, indígenas do Equador se voltam contra Moreno

Socióloga explica que indígenas não defendem a saída do presidente Lenín Moreno, mas pedem um diálogo com o governo federal

Por Carla Bridi
Atualização:

Os protestos que acontecem há uma semana no Equador iniciados após acordo do presidente Lenín Moreno com o Fundo Monetário Internacional (FMI) tomaram outra proporção quando o movimento indígena aderiu à causa, levando o governo a transferir a cúpula política da capital Quito para a cidade de Guayaquil

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Nesta quinta-feira, 10, reunidos em uma praça na região central de Quito, os movimentos indígenas capturaram oito policiais que atuavam no controle dos protestos. O dirigente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) mencionou pela primeira vez o termo "radicalização" dos protestos, após as mortes confirmadas de oito pessoas, e a detenção de ao menos 800 pessoas. Um dos mortos era membro da Conaie. 

Apesar do governo de Moreno acusar intervenção do ex-presidente Rafael Correa para "desestabilizar" seu governo, já que desde 2017 ambos tornaram-se inimigos políticos, os indígenas continuam afirmando que não têm relação com o correísmo e que não pregam pela renúncia de Moreno. 

Manifestantes indígenas acompanham caixão de dirigente da Conaie morto durante protestos na quarta-feira, 9 de outubro Foto: José Jácome/EFE

Ao Estado, a socióloga, ativista de esquerda e professora da Pontifícia Universidade Católica do Equador (PUCE), Natalia Sierra, detalhou o funcionamento dos movimentos indígenas e o que de fato é reivindicado por eles. 

Qual a reivindicação dos movimentos indígenas?

Os indígenas não pedem a saída do presidente Lenín Moreno, mas sim a suspensão dos dois decretos, um que acabou com o subsídio nos preços dos combustíveis e o segundo que declara o estado de exceção. Além disso, querem conversar para que sejam firmados os pontos de um acordo internacional. A questão é que liberalizaram o preço ao mercado e não focaram nessa eliminação dos subsídios que atinge os setores mais pobres e os produtores. Junto a isso, o governo não tem dialogado com a maioria dos setores. Houve diálogo com os empresários e com certos setores do poder político e econômico que estão em maioria na costa do país.

Existe relação com o ex-presidente do Equador, Rafael Correa?

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Existem pessoas nos protestos que apoiam o ex-presidente Rafael Correa, e o correísmo quer capitalizar de alguma maneira, aproveitar as circunstâncias. As organizações sociais e o movimento indígena e os trabalhadores, mulheres e estudantes não têm nada a ver com a agenda correísta. O governo quer deslegitimar a luta, dizendo que a direção dos protestos é feita pelos correístas, e isso não é certo.

O que é a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) e qual o seu papel na luta política?

A Conaie é a organização indígena mais forte do Equador, e creio que seja a organização social mais forte, porque o Equador é um país profundamente campesino e indígena, mesmo a porcentagem de indígenas não sendo tão grande. Não é tanto a questão em números, mas sim do fundamento socio-cultural do país. Nos anos 80 e 90, o movimento indígena assumiu o protagonismo das lutas contra o liberalismo. Foi o sujeito que iniciou essas lutas nessas décadas e em parte dos anos 2000. E com o correísmo, foram cercados e perseguidos, houve uma política sistemática para acabar com as organizações sociais, sobretudo as indígenas.

E como funcionam os movimentos indígenas?

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É interessante notar que as bases dos movimentos indígenas são incluídas nas decisões. Se as dirigências negociam sem acordo com as pessoas da base, eles vão aplicar a Justiça indígena nos seus próprios dirigentes. Considerando a hipótese de que algum dirigente tente negociar com o governo, eles estão ameaçados pelas próprias bases, que não querem que nenhum tipo de negociação se faça sem seus termos. Por isso querem instalar o parlamento plurinacional dos povos em Quito, já que o presidente deixou a capital, para que todos sejam transparentes.

O termo 'Justiça ancestral' foi utilizado pelo líder da Conaie após a organização ter detido oito policiais. O que isso significa?

Os povos têm alguns mecanismos próprios nessas situações. Não há a noção do sistema ocidental de detenção sem cura. Neste sentido, não é um castigo, é uma bênção espiritual. O ritual é feito com banhos de ervas, e os próprios indígenas tomam esses banhos, para purificar. Eles têm sua própria lógica, não é o cárcere, mas sim a cura espiritual e devolução à comunidade.

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Há fundamento legal para essas detenções?

Está na Constituição do Equador declarar um estado plurinacional. E os povos indígenas têm o direito do exercício da justiça indígena em seus territórios. Neste contexto, como o governo declarou estado de exceção, os povos declararam estado de exceção também nos territórios indígenas. Então, qualquer pessoa que eles considerem que esteja atentando contra sua resistência podem ser detidas, não importa se são militares ou policiais. Os indígenas de todo o País se instalaram em um parque histórico que já foi palco de mobilizações, que é o El Arbolito, e foi declarado como um território indígena, onde se pode aplicar o estado de exceção. 

Indígenas protestam contra medidas do presidente do Equador, Lenín Moreno, em frente à Assembleia Nacional Foto: Henry Romero/Reuters

Há a possibilidade do governo argumentar que não se pode haver diálogo com essas detenções?

Claro. Mas o próprio governo prendeu quase 800 pessoas, e muitas delas participavam das negociações de direitos humanos, e não estão junto com os demais presos. E não se sabe onde elas se encontram. O problema é que o governo diz que vai dialogar, mas abandona a cidade de Quito. E com isso, implementa uma repressão muito forte, com restrição infame, com mortos e feridos. Além disso, há declarações racistas, vindas de Guayaquil, que minimizam a presença dos indígenas, dizendo que são uma pequena população que deve retornar ao seu reduto, desconhecendo o fundamento cultural e hereditário da sociedade equatoriana nos indígenas. A direita está trabalhando com o governo e desestabilizando os ânimos com discursos racistas.

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