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Rússia diz que ataques à Ucrânia não atinge civis, mas cenário nas cidades mostram outra história

País comandado por Putin recebe acusações crescentes de que os seus ataques na Ucrânia atingem áreas civis, mas governo nega. Ucranianos se protegem em bunkers à medida que tropas russas avançam

Por Siobhán O'Grady , Isabelle Khurshudyan , Sudarsan Raghavan e Kostiantyn Khudov
Atualização:

KIEV - Do que restou da sua varanda no quarto andar de um edifício, uma idosa ucraniana jogou pedaço por pedaço de detritos na grama. Saíram montes de vidro e madeira. Ela ocasionalmente parava para examinar os danos ao seu redor. A mulher está entre as dezenas de civis ucranianos que saíram de suas casas em Kiev, na sexta, depois de um projétil não identificado atingir um prédio antes do amanhecer.

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O ataque danificou gravemente o prédio e feriu vários moradores. Pelo menos um está em estado crítico. O ataque deixou uma grande cratera que agora fica a poucos metros de um parque de diversões, que permaneceu vazio nesta sexta-feira, 26, exceto por um garoto remexendo na terra.

A Rússia está recebendo acusações crescentes de que os seus ataques na Ucrânia estão atingindo áreas civis, apesar do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, ter afirmado nesta sexta-feira, 25, que ‘nenhum ataque está sendo feito na infraestrutura civil’. Em todo o país, ucranianos se protegem em bunkers e porões à medida que as tropas russas avançam.

Ucraniana observa escombros deixados pelo ataque a um prédio residencial em Kiev, na Ucrânia, nesta sexta-feira, 25 Foto: Heidi Levine/Washington Post

O número total de vítimas civis na Ucrânia permanece incerto, sem números consolidados divulgados pelo governo ucraniano. Na sexta-feira, o presidente Volodmir Zelenski, disse que pelo menos 137 pessoas, entre civis e militares, foram mortas nos ataques russos. O número de ucranianos mortos ou feridos pode aumentar drasticamente à medida que as forças russas avançam para Kiev e outras grandes cidades, algumas já cercadas.

De acordo com o Direito Internacional Humanitário, as partes em conflito devem ser capazes de justificar seus alvos e evitar a infraestrutura civil. Alvejar intencionalmente a infraestrutura civil pode ser um fator em possíveis acusações de crimes de guerra.

Na sexta-feira, a Anistia Internacional disse que a Rússia está realizando “ataques indiscriminados em áreas civis e ataques a objetos protegidos, como hospitais”. As forças russas usaram “armas explosivas com efeitos de ampla área em áreas densamente povoadas”, disse Agnès Callamard, secretária-geral da Anistia em um comunicado.

No mesmo comunicado, Callamard observa que alguns dos ataques podem ser qualificados como crimes de guerra.

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O Comitê Internacional da Cruz Vermelha disse em comunicado na sexta-feira que quatro pessoas foram mortas quando um hospital em Donetsk foi atacado na quinta-feira, no que chamou de "contravenção direta do direito internacional humanitário".

Ataques a edifícios

O ucraniano Andriy Zablotskiy, 37, estava dormindo em um quarto e sua esposa e filho de 5 anos estavam em outro quando a explosão ocorreu do lado de fora de suas janelas na sexta-feira em Kiev. Eles correram para o banheiro, mas então, temendo que o prédio pudesse desabar, fugiram para a rua de pijama. Apesar da escala dos danos em seu apartamento, que fica no segundo andar, ninguém da família ficou ferido.

Além de prédios oficiais, os ataques russo também tem deixado danos em áreas residenciais de Kiev, na Ucrânia. Foto: Heidi Levine/Washigton Post

Mais tarde, eles voltaram ao apartamento – e fizeram questão de resgatar seu gato cinza, Anatoly – antes de se mudarem para a casa de um amigo. Muito do que restou estava coberto de cacos de vidro que se espatifaram das janelas atingidas pela explosão. A lareira elétrica estava destruída. Livros, garrafas de champanhe e roupas, espalhadas.

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Para reconstruir, ele disse ao Washington Post, ele terá essencialmente que começar do zero. Sua família mora no apartamento desde a queda da União Soviética em 1991. Depois, seus pais se mudaram para um vilarejo a 48 quilômetros de Kiev, onde agora estão cercados por forças russas. “Não há nada que eu possa fazer, então não posso me preocupar”, disse, apesar da tristeza.

Civis e equipes de limpeza uniformizadas vasculhavam do lado de forma do edifício a enorme pilha de escombros e transferiam os destroços pouco a pouco para uma carroça conectada a um trator que os transportava periodicamente. Outras pessoas se reuniram para olhar a cena. Alguns filmaram em seus telefones e expressaram gratidão por não serem eles mesmos os feridos ou deslocados.

Do lado de fora do prédio, era possível ver aparelhos de ar-condicionado danificados ​​e antenas parabólicas pendendo do edifício. Uma janela estourada revelou um vislumbre do armário de alguém, onde um casaco de pele estava pendurado em um cabide. Por outro, havia um pôster do famoso poeta ucraniano conhecido como Kobzar Taras.

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Na manhã deste sábado, 26, um prédio residencial  localizado próximo a um aeroporto de Kiev foi atingido por um míssil russo. De acordo com o conselheiro doMinistério do Interior, Anton Herashchenko, ninguém morreu na explosão.

O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, compartilhou nas suas redes sociais uma foto do prédio danificado e fez criticas à Rússia. "Kiev, nossa esplêndida e pacífica cidade, sobreviveu a mais uma noite sob ataques de forças terrestres russas, mísseis", escreveu ele. "Eu peço ao mundo: isole totalmente a Rússia, expulse embaixadores, embargo de petróleo, arruine sua economia. Parem os criminosos de guerra russos!"

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Civis tentam se proteger de bombardeios

Em um bairro de Kharkiv, no leste do país, o alvo do ataque provavelmente era a Academia da Guarda Nacional, mas o que parecia ser o motor de um foguete aparentemente errou o alvo. Ele caiu no meio de uma faixa de pedestres em uma área civil que inclui prédios de apartamentos, um grande mercado e um KFC. O objeto acabou sendo removido da rua e uma barreira laranja foi colocada ao redor da cratera que deixou para trás.

Não ficou claro se o foguete carregava uma única ogiva ou munições fragmentadas, as últimas das quais são proibidas pela maioria dos países, com exceção da Rússia, Estados Unidos e alguns outros.

Em outro distrito, a apenas cinco quilômetros de distância, a seção de reforço de um sistema russo de lançamento múltiplo de foguetes caiu no meio da rua. E por pouco não atingiu uma loja de produtos.

Ucranianos se protegem em uma estação de metrô em Kiev, nesta sexta-feira, 25 Foto: Heidi Levine/Washington Post

O bombardeio da tarde de sexta-feira estava tão perto do centro da cidade de Kharkiv que quatro homens que passavam pela praça principal naquele momento começaram a correr para se abrigar ao som do estrondo alto. Um grupo de pessoas na fila da farmácia se dispersou e o ar cheirava a enxofre.

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Um hotel de luxo disse aos seus hóspedes para se abrigarem na garagem subterrânea. Uma jovem começou a chorar ao som do bombardeio.

A cerca de 45 minutos de Kharkiv, os russos atacaram um aeródromo militar em Chuhuiv, mas o ataque atingiu um prédio residencial, causando várias baixas, incluindo um adolescente.

O ataque na segunda maior cidade da Ucrânia, a apenas 40 quilômetros da fronteira com a Rússia, aconteceu em grande parte nos arredores. Mas os bombardeios esporádicos de sexta-feira puderam ser ouvidos por moradores que estavam em uma longa fila em um dos poucos postos de combustível ainda abertos.

Enquanto esperavam mais de uma hora para abastecer, as pessoas se perguntavam se deveriam deixar Kharkiv e ir para o oeste, mas isso os colocaria em uma estrada que atravessa Kiev. Muitos planejavam ficar parados – e apenas estocar comida, álcool e cigarros.

Quando uma nova série de explosões pôde ser ouvida à distância, as pessoas olharam casualmente para o céu cinza de inverno. Eles não saíram da linha e recorreram ao sarcasmo. “Todos nós vamos explodir enquanto esperamos para comprar gasolina”, disse um homem.

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