Rússia indica apoio à anexação da Crimeia e ameaça cortar gás de Kiev

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e membros do Parlamento russo indicaram ontem que aceitarão o pedido de anexação da Crimeia, feito por deputados da república autônoma que desejam se separar da Ucrânia. Em comunicado, Putin disse que "não pode ignorar pedidos de ajuda" da comunidade de origem russa da região, rejeitando as advertências do Ocidente sobre a ilegalidade da medida.

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Por ANDREI NETTO , SIMFEROPOL e UCRÂNIA
Atualização:

Os discursos opostos de Rússia e do Ocidente refletem a tensão que se intensificou na Crimeia há uma semana, desde que tropas russas desembarcaram na região. Ontem, horas depois de o presidente dos EUA, Barack Obama, reiterar que a decisão do Parlamento da Crimeia era ilegal, Putin deu sinais de que levará a anexação às últimas consequências.

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"A Rússia não pode ignorar pedidos de ajuda e age com consequência, cumprindo totalmente a legislação internacional", afirmou o presidente russo, que criticou mais uma vez as "decisões ilegítimas" tomadas pelo governo interino da Ucrânia de depor o presidente Viktor Yanukovich.

Na mesma linha, o presidente da Câmara dos Deputados da Rússia, Serguei Narychkine, afirmou que o Parlamento de Moscou deve aceitar nos próximos dias o pedido de anexação do território. "Nós respeitaremos a escolha histórica da população da Crimeia", afirmou o deputado, segundo a agência de notícias Interfax.

As declarações das autoridades russas foram motivadas pela decisão do Parlamento da Crimeia de pedir a anexação à Rússia, na quinta-feira, e de fixar a data de um referendo, dia 16, para homologar a medida.

Ontem, o porta-voz da ONU, Martin Nerisky, classificou de "preocupante e grave" a realização da consulta popular. Já o presidente da França, François Hollande, reiterou que o referendo não será reconhecido pelo Ocidente. "A integridade territorial e a soberania da Ucrânia não são negociáveis", afirmou Hollande, que recebeu no Palácio do Eliseu o opositor Vitali Klitschko, um dos líderes do movimento pró-Europa na Ucrânia.

A Rússia disse ontem que as sanções impostas pelos EUA voltariam como um "bumerangue" para Washington. Em telefonema com o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, o chanceler russo, Serguei Lavrov, criticou "medidas precipitadas capazes de causar danos às relações" entre os dois países. "Particularmente sanções que, inevitavelmente, atingirão os EUA como um bumerangue", afirmou.

Gás.

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Alexei Miller, presidente da Gazprom, estatal russa de gás natural, afirmou ontem que se a Ucrânia não pagar sua dívida pelo gás russo, o fornecimento ao país será cortado. "Não podemos fornecer gás de graça. Ou a Ucrânia salda a dívida - de US$ 1,8 bilhão - ou há o risco de voltar à situação do início de 2009", afirmou Miller, em referência à chamada "guerra do gás", entre Kiev e Moscou, que afetou o envio do produto à Europa. Em Moscou, cerca de 60 mil pessoas participaram de uma manifestação em favor da anexação do território. Faixas traziam dizeres como "A Crimeia é russa" e "Crimeia, estamos contigo".

Em tom de moderação, o primeiro-ministro da Ucrânia, Arseni Yatseniuk, defendeu o diálogo com a Rússia para chegar a um acordo que permita a manutenção da Crimeia como território ucraniano. O premiê, porém, impôs como condição que a Rússia retire as tropas que ocupam bases militares e postos estratégicos há uma semana. "Ninguém no mundo civilizado reconhecerá o resultado de um referendo feito por autoproclamadas autoridades", disse.

Enquanto a Ucrânia espera uma retirada, a Rússia envia reforços. O Ministério da Defesa de Kiev informou ontem que o número de militares russos subiu a 30 mil. A estimativa anterior, feita pela ONU, era de que 16 mil soldados enviados por Moscou estivessem na região.

Ontem, o

Estado

voltou a circular pela região. Entre Simferopol e Sebastopol, homens de uniforme militar sem identificação continuam a fazer a segurança dos prédios públicos. Em barricadas montadas em estradas, eles fazem uma triagem dos veículos autorizados a passar.

Em uma delas, perto do aeroporto militar de Belbek, militares ordenaram a partida de qualquer "estrangeiro" visitante. A base do Estado-Maior da frota ucraniana, em Sebastopol, continua bloqueada. No fim da noite, segundo a Reuters, militares russos teriam tomado a base de Yukharina Balka, no sul da Crimeia.

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